Opinião

Ditaduras e a eterna tentação

3 de abril de 2024

Foto: Reprodução

WASHINGTON L. TOMÉ DE SOUSA

“… no dia em que dele comerdes, vossos olhos se abrirão, e sereis como deuses, conhecedores do bem e do mal”. (Gn. 3.5 – o fruto proibido)

Articulista em fase pessimista

Arrisco-me a dizer que habita no coração de cada ser humano um ditador em potencial que, se alimentado, vai se manifestar e, se bem nutrido, vai se estabelecer e prevalecer, se não encontrar limites autoimpostos ou impostos externamente. E isto em qualquer dimensão das relações humanas – famílias, grupos de relacionamento, empresas, instituições públicas e privadas, tribunais, governos, etc. Sobre estes, paira sempre o risco de serem capturados por um ditador e, por extensão, por uma ditadura. E, para se reverter a situação, um longo e doloroso caminho (sangrento, muitas vezes) há de ser percorrido, como fartamente demonstra a história.

“Comer e coçar é só começar”

Eu acrescentaria, ainda, que matar, também.

É comum ver cenas em filmes de guerra em que o soldado novo, no campo de batalha, quando se confronta com o inimigo pela primeira vez, hesita em atirar nele, quando, então, o veterano que está ao seu lado o faz, matando-o. Aí, segue-se o diálogo entre ambos, em que o novato revela o seu temor, e até pavor, de tirar a vida de alguém e indaga ao veterano como ele o faz, sem o menor constrangimento. Como resposta, recebe que é só começar, que a consciência só acusa da primeira vez. Que a partir da segunda já dói menos. E, depois, se torna rotina (e, para os psicopatas, até prazer).

Luxúria, poder e religião

Na origem, a palavra “luxo” vem do latim ‘luxus’, “excesso, opulência, extravagância, magnificência”. Daí, o substantivo derivado luxúria guardar íntima relação com o exagero, este, na área sexual. Mas permeia tanto o poder, onde quer que ele esteja sendo exercido (principalmente o político) quanto a religião, no desejo de exercerem o domínio absoluto sobre tudo e sobre todos, tentação constante da alma humana, esta, sim, a ser vigiada de perto – não posso deixar de fazer aqui referência a fala de certo ministro do Supremo, que, quando indagado por jornalista porque votara de tal forma em matéria polêmica, respondeu: – Ora, nós somos o Supremo! (“…sereis como deuses…”)

O Altíssimo

No filme ‘Sunshine – O despertar de um século’ (1999), o respeitado cineasta húngaro Istvan Szabó, apresenta-nos, em sua abertura e no fim, após narrar a saga, dramas e paixões de três gerações de uma família de judeus na Hungria, no conturbado panorama histórico do século XX na Europa, o conselho final do patriarca daquela família ao seu descendente mais jovem, que andava à procura de sua origem, da sua identidade e em busca de seu destino: “Deus nos proíbe de viver na luxúria e no poder”, apelando a uma tradição daquele povo que já se perdeu nos dias atuais. Vale a pena assistir ao filme e rever conceitos.

Sua alma, sua palma

O ‘caminho dos deuses’ perseguido pelo homem desde o princípio está aí a nos tentar diuturnamente. E o resultado não tem sido bom. As ditaduras ganham força e proliferam mundo afora. Enfrentamos pequenos ditadores em nós mesmos e outros externamente. O que faremos com eles?

Saúde e paz a todos!

WASHINGTON L. TOMÉ DE SOUSA (Reflexões – Youtube e Washington Tomé de Sousa – Facebook), advogado e ex-diretor da Justiça do Trabalho em Passos, escreve quinzenalmente às quartas, nesta coluna