7 de dezembro de 2024
Queijo Capim Canastra, o primeiro brasileiro a ser premiado internacionalmente, produzido em São Roque de Minas / Foto: Divulgação
S. R. MINAS – Um dos mais conhecidos e consagrados queijos de Minas, o Canastra é também o mais falsificado do Brasil, afirma o gerente executivo da Associação dos Produtores de Queijo Canastra (Aprocan), Higor Freitas.
Nesta semana, o jeito mineiro de fazer queijo artesanal foi declarado Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco).
Para Freitas, o aumento da projeção do nome Canastra resultou em um grande bônus aos produtores, mas aumentou o número de falsificações e tem gerado uma concorrência “desleal” no mercado por conta dos baixos preços na comercialização dos falsos canastras.
“A Canastra virou uma referência no cenário de queijos artesanais no Brasil. Então, os produtores aqui, pela especialização, pela produção, conseguiram se destacar no mercado com os seus queijos, e o nome da Canastra foi cada vez mais elevado. Então, muitas outras regiões e produtores ou atravessadores [queijeiros] compram queijo de qualquer lugar e dizem que é da Canastra para agregar valor”, diz o gerente da Aprocan.
Freitas afirma que no Mercado Central de Belo Horizonte dificilmente são encontrados verdadeiros queijos da Canastra. “Então, quando você passa no Mercado Central de Belo Horizonte, você tem queijo Canastra de Araxá, da Serra do Salitre e outras regiões. Até têm de São Roque de Minas, mas não tem como a gente saber se são verdadeiros. A gente sofre muito com falsificação, e o Mercado Central é um dos pontos que mais chocam a gente, porque é um ponto turístico de referência em Belo Horizonte”, disse.
“O que acontece lá? Você chega, tem uma pilha de queijo sem identificação nenhuma de produtor, vendidos como Canastra. Nós, aqui na fazenda, não podemos tirar o queijo daqui sem rotulagem. Então, como é que esse queijo está sendo vendido lá? Se fizermos isso aqui, somos penalizados. Pode ser que até feche a queijaria”, aponta Freitas.
Segundo o gerente da Aprocan, a venda de queijo falso causa competitividade desleal. “Tem gente que chega aqui [São Roque de Minas] e diz que compra queijo Canastra por R$ 30 em Belo Horizonte. Por R$ 30 o queijo nem sai daqui. A gente gasta cerca de 12 litros de leite para fazer um quilo de queijo. Se o produtor vender esse leite para o laticínio, ele vai ter esse faturamento de R$ 30. Então tem algo errado. A conta não bate”, disse.
“E esse queijo [falso] sai de Minas inteira. De diversas fazendas. Esse é um trabalho que a gente tenta mudar aqui na Aprocan, que é para o produtor mudar o modo de produção dele, para mudar a vida dele. Como esse produtor vai ter uma vida digna na fazenda, vai permitir que o filho dele continue com os negócios do pai, vendendo queijo para atravessador por R$ 12 ou R$ 15?”, questiona Freitas.
“E é o atravessador que coloca o preço. E se o pequeno produtor quiser vender, essa é a única opção. Mas o produtor não tem registro sanitário, não tem rótulo, não tem controle de qualidade do queijo, do leite, de zoonoses do rebanho. E por que isso? Porque não dá. Como ele vai investir na fazenda vendendo o queijo a R$ 12?”, aponta.
Segundo Freitas, o queijo irregular é vendido a R$ 12 aos atravessadores/queijeiros, que revendem por R$ 30. Já os queijos regulamentados, dos associados da Aprocan, por R$ 60 a R$ 80. De acordo com ele, existem cerca de 800 produtores de queijo na região, mas apenas 7% são regulamentados e seguem os padrões sanitários e de produção que definem o queijo da Canastra.
“A qualidade que os produtores [regularizados] da Canastra conseguiram atingir é um fator que diferencia muito. Hoje, a gente consegue produzir com qualidade em uma estrutura artesanal e nós contamos com o terroir, que é a soma de vários fatores da região, como microclima, microbiota, fungos, bactérias e o saber fazer dos produtores. A gente tem um queijo de leite cru, então, tudo influencia, desde o pasto até o mineral que está na água”, afirma.
Produtor aponta que queijos falsos abastecem mercado paulista
O produtor de queijo Canastra Hugo Leite, de São Roque de Minas, afirma que a Aprocan e os produtores regulamentados lutam para alertar o consumidor sobre os produtos falsificados, mas reconhece que a atuação de atravessadores e de queijeiros acaba servindo como meio de sobrevivência para pequenos produtores que têm dificuldade em atingir o mercado formal.
“Econômica e socialmente falando, nós precisamos dos atravessadores, dos queijeiros. Porque aquele produtor pequeno não consegue vender o leite que ele produz, porque o caminhão de laticínios não chega até a fazenda dele para comprar só 100 litros de leite, mas o queijeiro sim. E o que resta a ele é vender aquele queijo sem regulamentação, por R$ 12”, explica Hugo.
“Nós conhecemos todos os queijeiros da cidade. Se a gente quisesse, era só denunciar, e provavelmente acabaria tudo. Mas a gente não faz isso, porque o seu Zé e o seu João precisam fazer aquele pouquinho de queijo para sobreviver. É uma questão de sobrevivência”, ressalta Hugo, proprietário da queijaria Roça da Cidade.
O produtor afirma que o queijo da Canastra falsificado, e que leva o nome de São Roque de Minas, não é produzido no município, e que grande parte do queijo da Canastra é comercializado no estado de São Paulo.
“E eu afirmo que até o queijo falsificado de São Roque não é produzido aqui, por conta do preço de tudo, de logística, transporte, maturação. Mesmo vendendo a R$ 12 e revendendo a R$ 30, falta a margem de lucro ainda. Então, até para levar o queijo ilegal de São Roque para Belo Horizonte seria mais caro”, diz.
“Eu conheço os queijeiros de São Roque, e o destino dos queijos da Canastra é o estado de São Paulo. É Ribeirão Preto, é São Paulo, é paulista. Aquele queijo vendido em Belo Horizonte como Canastra é produzido em qualquer lugar de Minas, menos na Canastra”, aponta.
Ele ressalta que o problema dos queijos falsificados não está na produção, mas sim no nome, para não enganar o consumidor. “Não tem problema você comprar um produto falsificado sabendo que ele é falso. O problema é comprar algo falso achando que é verdadeiro. E é isso que acontece. Às vezes, chega gente de Belo Horizonte aqui e se surpreende com o preço do verdadeiro queijo Canastra que vendemos, porque ela compra pela metade do preço no mercado de Belo Horizonte, mas ela compra o falso achando ser o verdadeiro”, disse.
História
Segundo Hugo, a origem do Queijo Minas Artesanal da Canastra remonta ao período ao século XVIII, quando a técnica de produção foi trazida pelos colonizadores portugueses, adaptada às condições locais e passada de geração em geração.
A produção do queijo Canastra está profundamente associada à cultura e à vida rural da região. Durante o Ciclo do Ouro, quando a Serra da Canastra era rota para o transporte de riquezas, o queijo se tornou um alimento básico para os tropeiros e moradores locais, devido à durabilidade e valor nutricional.
As características únicas do queijo estão relacionadas ao terroir da Serra da Canastra: o clima, o solo e a flora da região influenciam o sabor e a textura do produto. Ele é feito de leite de vaca cru, coalho e pingo (soro retirado de produções anteriores, que carrega micro-organismos). A maturação varia de poucos dias a meses, resultando em diferentes nuances de sabor.
Ao longo dos séculos, o queijo Canastra consolidou a reputação como um dos melhores queijos artesanais do Brasil. Em 2008, foi reconhecido como Patrimônio Cultural Imaterial pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e recebeu o selo de Indicação Geográfica, protegendo sua origem e autenticidade, em 2012.