Dia a dia

O  bilhete premiado da Sena

26 de abril de 2024

Quando o Tony ainda estava entre nós e quando ainda funcionava o Supermercado Nara, Paulo Afonso (Paulinho Geleia) organizava um jogo semanal na Sena junto com alguns empregados do supermercado.

Participavam semanalmente o Paulo Afonso, o Marco Túlio Abdala, o Tião Nara, o César irmão do Tião Nara e o Bertinho Borges. O jogo era sagrado e toda semana faziam sua fezinha.  Sempre acertavam alguns números e sempre acreditavam que na semana seguinte seria melhor. Houve uma semana porém que erraram todos os números. Zero acertos. Paulinho Geleia ficou indignado e falou consigo mesmo:

–      Como é que pode, tantos cartões e não acertamos um único número?

Sentia-se responsável, pois era ele o organizador do bolão. E a partir daí planejou inventar para os amigos que eles haviam acertado todos os números e que estavam ricos. Foi na lotérica e combinou tudo com a irmã da Ivonete para o caso do pessoal ir lá confirmar. Depois foi ao Supermercado Nara e divulgou a notícia. Foi uma explosão de alegria. Alguém teve a idéia de comemorar e sem pensar  começaram a tomar a cerveja do supermercado. Muito alegres e aos gritos, subiam em suas mesas e zombavam do Tony:

–      Tá vendo bobão? Nunca quis jogar conosco, agora aguenta.

E subiam na mesa do Tony e davam gargalhadas. Não se continham de alegria e em muito pouco tempo toda a cidade já sabia da novidade. E eles tomando cerveja e fazendo planos. Um ia comprar uma fazenda, outro ia ajudar a parentada toda, outro ia comprar um carrão. Quando Tony reclamou da bagunça e da confusão, a resposta foi rápida:

–      Num vem não Tony. Põe preço no supermercado. Agora ele é nosso e vamos beber toda a cerveja.

Não havia como controlar a comemoração. Bertinho já calibrado pela cerveja e muito emocionado, começou a andar ajoelhado pelos corredores do Nara. Foi preciso a polícia intervir, pois havia uma multidão na porta do supermercado. A cidade estava em polvorosa. Preocupado, o Adolfo Carvalho, gerente do Bemge na época, foi até o supermercado e ofereceu o cofre do banco para que os grandes felizardos guardassem o bilhete do jogo, pois com o alvoroço que o fato gerou, havia o risco de perde-lo ou de serem roubados. Todos agradeceram e repassaram-lhe o bilhete para que ficasse em lugar seguro.

E dá-lhe cerveja. Já sem camisas, continuavam a consumir os produtos do supermercado. Tira-gostos à vontade, queijos, presuntos, castanhas, vidros e vidros de azeitona, palmitos, presuntos e por aí vai.

Tony, resignado, ficou sem ação. Deixou-os comemorarem e consumirem o que quisessem, afinal estavam ricos e certamente iriam pagar por tudo. E assim continuou. Até que em determinado momento Marco Túlio Abdala pega um cabo de machado e grita para os amigos:

–      Agora vou lá na casa do meu pai e vou destruir aquele fusca velho da minha irmã. Amanhã compro um carro zero para ela.

Nesse momento, Paulinho Geleia se deu conta da dimensão que as coisas estavam tomando e resolveu contar a verdade a todos. Impediu Marco Túlio de sair e pediu várias vezes a atenção de todos. E tanto gritou que todos pararam a comemoração para ouvi-lo. Em tom grave ele começou:

–      Gente, eu estava indignado, pois esta semana não acertamos nenhum palpite. Fiquei tão chateado que resolvi inventar que nós acertamos todos os números e que estávamos ricos. Mas não é verdade. Eu menti e peço desculpas a vocês.

E saiu correndo e por vários dias não foi visto pela cidade. Incrédulos, os participantes do bolão não conseguiam acreditar que não tinham ganhado o prêmio. Alguém foi na lotérica e confirmou que era uma brincadeira. Ninguém havia ganhado nada. Bastou a confirmação para o Tony, gozador como era, começar a dar gargalhadas e a dizer para os empregados:

–      É né? Então vocês estavam todos ricos, né? Beberam e comeram à vontade, né? Pois podem por as camisas e começar a limpeza. E quero ver tudo bem arrumadinho e muito limpinho. Depois vou passar a continha de cada um e já aviso que vou descontar tudo no salário deste mês.

E dava risadas. O desmentido não foi um balde de água fria, foi um balde de água gelada. Inconformados e envergonhados fizeram tudo que o Tony mandou. Só uma coisa foi comum a todos: a raiva e a vontade de esganar o Paulinho Geleia. Meses se passaram e as gozações foram se abrandando.

Um dia, o Paulinho estava no bar do Badejo tomando uma cerveja e passa o Marco Túlio, que como sempre fechava a cara e nem olhava para o mentiroso. Daí vira o Paulinho para os companheiros do bar e fala alto para o Marco Túlio ouvir:

–      Alá, depois que ganhou na loteria não cumprimenta mais os amigos.

Marco Túlio parou, agachou-se, pôs as mãos na cabeça e a raiva tomou conta de seu corpo. Mas a única coisa que conseguiu fazer foi dar uma longa gargalhada. Depois levantou-se, entrou no bar e tomou muitas cervejas com o Paulinho.

PAULO ROBERTO CORÓ FERREIRA é carmelitano, pós-graduado em Ciência da Computação pela UFMG. É autor do livro “Viagem pela Alma Carmelitana”, lançado em 2021, com as histórias de sua terra.