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Grammy aposta na força feminina

5 de fevereiro de 2024

Taylor Swift recebe o prêmio de álbum do ano por “MIdnights” durante o 66º Grammy Awards./ Foto: Chris Pizzello/Invision/AP

MÚSICA

Mulheres ganharam nas principais categorias do Grammy 2024; cerimônia deste domingo, 4, teve seus momentos de emoção também com Joni Mitchell e Tracy Chapman, homenagem a Rita Lee e crítica de Jay-Z

A 66º edição do Grammy foi planejada como uma grande celebração do talento feminino: já nas indicações para as três principais categorias, o domínio das mulheres era quase total. Foi uma boa tentativa de responder às críticas, corrigir desigualdades históricas nas estatísticas e mostrar que o mastodôntico prêmio da indústria da música dos Estados Unidos consegue correr atrás do espírito do tempo sem sentir o peso do corpanzil.

O time das mulheres levou os prêmios de maior prestígio, incluindo Melhor Artista Novo (com Victoria Monét, 34 anos, apontada como barbada pela Variety e pela Rolling Stone) e venceu até mesmo em nichos misóginos como o rock, com o trio Boygenius e o Paramore (banda multigênero, mas liderada por Hayley Williams).

A divisão de prêmios teve um traço político adicional ao contemplar forças contemporâneas diferentes nas três principais categorias. Miley Cyrus, 31 anos, levou o primeiro Grammy de sua carreira (iniciada ainda na infância), pelo irresistível single pop Flowers, consagrado como Gravação do Ano. A precoce Billie Eilish, 22 anos, papou seu oitavo gramofoninho com a balada sombria da trilha do filme Barbie, What Was I Made For (composta com seu irmão Finneas O’Connel), escolhida Canção do Ano.

Taylor Swift, cartaz maior do momento, 34 anos, ganhou o prêmio de Álbum do Ano por Midnights. Foi sua quarta conquista na categoria. Pela régua do Grammy, ela acaba de superar monstros sagrados como Frank Sinatra, Stevie Wonder e Paul Simon (o principal esnobado da premiação deste ano: seu álbum Seven Psalms sequer foi indicado) neste quesito.

Swift ficou em pé em vários momentos da cerimônia, dançando e cantando junto com as atrações, à vontade como se estivesse na sala de casa. Desde 2010, coleciona estatuetas de gramofone. Ao agradecer a primeira que ganhou na noite, por Melhor Álbum Pop Vocal, aproveitou para usar o momento como plataforma de divulgação. Anunciou o lançamento de um novo álbum, The Tortured Poets Department, para 19 de abril: “Um segredo que tenho guardado pelos últimos dois anos”.

Grammy é isso mesmo: indústria, trabalho, vendas. O comediante Trevor Noah, apresentador do evento pelo quarto ano seguido, comentou no começo da cerimônia, fazendo um trocadilho com o sobrenome de um convidado famoso: “À medida que Taylor Swift se move pela sala, toda a economia local em volta dela cresce. Olha isso! Lionel Richie? Agora é Lionel Wealthy!” (wealthy, abastado, em português).

Há quem ainda enxergue o Grammy como uma espécie de prêmio Caboré americano, um compadrio de oligopólios atrasados, resistente às mudanças culturais e com compreensão insuficiente dos mecanismos atuais de sucesso. Foi assim em décadas passadas, não é mais. Há um esforço notável para ser mais diverso e trazer exposição a gêneros mais nichados, como se nota em duas categorias incluídas neste ano: melhor performance de música africana e melhor álbum de jazz alternativo.

Na noite de domingo na Crypto.com Arena, em Los Angeles, houve espaço até para o executivo e rapper Jay-Z criticar a própria cerimônia do Grammy, questionando os critérios de premiação ao receber uma homenagem (Prêmio Dr. Dre de Impacto Global): “Vocês sabem, alguns de vocês vão para casa esta noite se sentindo como se tivessem sido roubados. Alguns de vocês podem ser roubados. Alguns de vocês não pertencem à categoria [em que concorrem]”. Ele não teve pudor de puxar a brasa para a sardinha de sua mulher, Beyoncé. “Ela tem mais Grammys que qualquer um, e nunca venceu por Álbum do Ano. Nem mesmo pelas métricas de vocês isso funciona”.

O toque político foi dado por Annie Lennox, depois de interpretar Nothing Compares 2 U, em homenagem à Sinéad O’Connor (1966-2023), pedindo “cessar-fogo” e “paz no mundo”.

As brasileiras Astrud Gilberto (1940-2023) e Rita Lee (1947-2023) foram homenageadas brevemente na seção In Memoriam. A bossanovista surgiu no telão entre Harry Belafonte (1927-2023) e Robbie Robertson (1943-2023, líder da The Band) quando Stevie Wonder, cercado por um combo de jazz, cantava The best is yet to come, uma das grandes joias do repertório de Tony Bennett (1926-2023), no momento musicalmente mais elegante entre todas as apresentações da noite. Rita foi lembrada durante a apresentação de Jon Baptiste, que celebrava o executivo Clarence Avant.

Polêmicas à parte, esta 66ª cerimônia de entrega do prêmio deve ser mais lembrada pela comoção gerada em torno das aparições de mulheres legendárias como Tracy Chapman, que faz raras apresentações ao vivo e não grava desde 2008, Céline Dion, reclusa desde 2023, por conta de uma síndrome neurológica que dificulta seus movimentos (ela falou recentemente sobre sua condição; leia), e Joni Mitchell. Aos 80 anos, depois de se recuperar de um aneurisma que a obrigou a reaprender a falar (e a cantar), ela se apresentou pela primeira vez em uma cerimônia de entrega do Grammy. Sentada, com uma bengala na mão, e amparada vocalmente por Brandi Carlile, ela emocionou a todos cantando seu clássico Both Sides Now, que termina com os seguintes versos:

Já olhei para a vida de ambos os lados/ Da vitória e da derrota e, ainda assim, de alguma forma/ É das ilusões da vida que me lembro/ Eu realmente não conheço a vida/ É das ilusões da vida que me lembro/ Eu realmente não conheço a vida”.