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‘Ficção americana’ chega ao Prime Video

29 de fevereiro de 2024

Jeffrey Wright, que concorre ao Oscar de melhor ator, faz o papel do protagonista do longa./ Foto: Reprodução.

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Dos 10 longas indicados ao Oscar de melhor filme, faltava somente um para chegar ao Brasil. De surpresa, o Prime Video lançou nesta semana “Ficção americana”, título que marca a estreia na direção do roteirista Cord Jefferson (“Watchmen”, “The good place”). Concorre a cinco estatuetas, incluindo as de melhor ator para Jeffrey Wright e coadjuvante para Sterling K. Brown.

Muitas das questões tratadas no filme estão na ordem do dia, mesmo que a história original já tenha mais de duas décadas. “Ficção americana” é uma adaptação do romance “Erasure” (inédito no Brasil), do romancista Percival Everett, lançado em 2001. Jefferson, por sinal, concorre na categoria de roteiro adaptado.

“Os brancos pensam que querem a verdade, mas não querem. Eles querem se sentir absolvidos”. Esta fala é de Arthur (John Ortiz), o agente literário filho de imigrantes latinos dirigida a um de seus clientes, o escritor negro Thelonius “Monk” Ellison (Jeffrey Wright). É só uma das (ótimas) frases dessa sátira sobre a era do politicamente correto.

A vida de Monk está um completo caos. Ainda que seja um escritor bem estabelecido em seu meio, ele não consegue emplacar um novo título há anos. Na universidade de prestígio onde dá aulas de literatura, a coisa está ainda pior.

A sequência de abertura é uma prova do poder de fogo do filme. Como provocação, já que sua matéria é sobre a cultura sulista norte-americana, ele escreve no quadro a palavra nigger (termo ultrapejorativo para se referir aos negros e hoje banido nos EUA, onde é referido como a N-word, ou a palavra que começa com N). Uma aluna branca se sente terrivelmente ofendida pelo uso do termo. Monk é convidado pela direção da universidade a tirar uma licença.

Ele vive na Califórnia e retorna a Boston, cidade natal, a contragosto para participar de uma feira literária. Vai ter que se encontrar com a família, de quem prefere manter distância. As coisas não melhoram. Enquanto a mesa-redonda da qual participa tem meia dúzia de gatos pingados, a sensação do evento é uma nova autora, Sintara Golden (Issa Rae). O livro dela, que Monk não leu e nem pretende, é um romance cheio de estereótipos sobre a vida dos negros no mundo atual – a plateia é predominantemente branca.

O rigor literário da obra de Monk simplesmente não cabe mais no mundo atual. Ele tem que escrever algo “mais negro”, é o que escritor ouve como sugestão. Isto seria cair no clichê do banditismo ou então na trajetória de famílias que passam necessidades. Romances com tais temáticas seriam palatáveis para o grande público – e para a crítica branca, que os considera “necessários”.

Ressentido e frustrado, Monk, numa noite, depois de algumas doses a mais, se posta diante do computador e escreve um romance recheado de dramas: são ódios familiares que, impulsionados pelas drogas, acabam desencadeando um crime. Nada poderia ser mais negro do que aquele livro.