13 de janeiro de 2025
Foto: Reprodução
Luiz Gonzaga Fenelon Negrinho
Há quem deseje ir para Pasárgada, ser amigo do rei, repousar em camas macias e deliciar-se com os melhores pratos – o sonho de Manuel Bandeira, embalado pela leveza de sua poesia.
Outros preferem Xangrilá, criação de James Hilton, um refúgio escondido nas montanhas do Tibete, onde o tempo parece estagnar e a juventude, eterna, jamais deixe de ter sua beleza. Um paraíso prometido, mas com uma condição inexplicável: jamais partir.
Entre essas duas possibilidades – Pasárgada e Xangrilá –, confesso minha descrença. Fugir, afinal, não é para todos. Há quem prefira a aspereza do cotidiano, a labuta persistente, o desassossego que nos faz seres fortes e humanos. Assim, eu fico aqui mesmo, no agora, nesse chão de rotinas, abraçando a mistura exata de sonhos e realidade que me sustenta.
Porque entre o feijão e o sonho – de passagem Orígenes Lessa – prefiro não escolher: quero os dois. O feijão, com sua substância, é o peso que nos ancora; o sonho, etéreo, é o que nos eleva. Mas sonhar, cuidado, também cansa – exige forças, entrega e a determinação de enfrentar o incerto, pois nem sempre traz garantias ou resultados perfeitos. Ainda assim, é irresistível, porque nos sonhos lançamos as sementes que, um dia, podem desabrochar em jardins inesperados.
E viver, ah, viver é um exercício fascinante. A cada dia acordamos sem saber ao certo o que nos espera, mas ainda assim vestimos a coragem e enfrentamos o desconhecido. Saborear os pequenos instantes que passam despercebidos – o aroma do café pela manhã, o calor de um abraço, o sorriso de quem amamos – é parte essencial dessa jornada. Errar, aprender, cair e levantar compõem uma dança que ora é turbulenta, ora serena, mas sempre vibrante.
Viver é aceitar que o caminho nunca será uniforme, mas que há encantos escondidos nas curvas e poesia nos tropeços. É entender que o extraordinário, tantas vezes, veste os trajes simples do cotidiano. É perceber que a felicidade não está em um destino idealizado, mas na jornada que construímos com nossas próprias mãos
Talvez Pasárgada e Xangrilá sejam mesmo sedutoras, mas o mundo concreto, com suas imperfeições e seus encantos, tem uma magia que nenhuma utopia pode superar. Uma medida para tanto possa resolver. Talvez seja isso: uma dose de Pasárgada, uma pitada de Xangrilá, e uma colher generosa do que já temos. Porque, no fundo, o que importa não é fugir, mas viver.
Querem saber? A despeito das angústias, dores e aflições, viver é bom. E é por isso que fico. Porque viver não é só bom. Viver é extraordinário.
Luiz Gonzaga Fenelon Negrinho, advogado, escreve aos domingos nesta coluna. (luizgfnegrinho@gmail.com).