1 de agosto de 2024
Foto: Reprodução
ALBERTO CALIXTO MATTAR FILHO
Há aproximadamente um ano, eu soube que repercutia, nos meios próprios, a literatura de Carla Madeira. Carla nasceu em Belo Horizonte, em 1964. Em seu currículo, há o abandono da medicina e a formatura em jornalismo e publicidade, além de ter sido professora de redação publicitária na Universidade Federal de Minas Gerais.
Foi o que bastou para eu me entregar a ‘Tudo é rio”, o primeiro romance que ela escreveu. Apesar da preferência pelos clássicos que sedimentam e influenciam caminhos, considero importante observar as tendências da literatura contemporânea.
Ainda que os contextos históricos e culturais sejam muito mais consistentes nos grandes clássicos, penetrar as páginas de nossos escritores recentes também é uma maneira de estar em contato com nosso estilo em textos que representam a língua pátria sem a necessidade de traduções. Não se esqueça de que literatura é também forma.
Li então a sua primeira obra em poucos dias. São 206 páginas que começam em um ritmo frenético que captura a atenção dos leitores, mas, que do meio para o final, acabaram me incomodando um pouco pelos níveis de edificante em uma história que, logo de início, apresenta personagens bem explícitos nas intenções maquiavélicas ou fora dos padrões de bom comportamento.
Se couber uma analogia para tentar tornar o mais claro possível o que expresso, diria que o romance possui ares de novela televisiva, quando, no decorrer dos capítulos, os integrantes da trama se transformam da água para o vinho, do sal para o melífluo, da sacanagem escancarada para a virtude redentora, da maldade sem limites para o exagero dos níveis de benevolência.
Algo meio tendente ao inverossímil ou bizarro. Não que pessoas não possam mudar atitudes e agir sob outros valores mais dignos. Mas me pareceu uma certa guinada excessiva o que houve em “Tudo é rio”. Em todo caso, minhas impressões iniciais não significaram uma sentença definitiva. Talvez uma releitura mais atenta me fizesse observar outros ângulos.
A oportunidade veio, porém, não na releitura, mas na experiência com um novo romance, o último e terceiro de sua carreira, “Véspera”. É que, dia desses, quando entrei em uma grande livraria em São Paulo, em busca de uma obra de José Geraldo Viera, eis que a Maria Lúcia me aparece com a recente obra de Carla Madeira em mãos após ler o primeiro capítulo. Curioso, tomei o livro e fiz o mesmo.
Ali, em poucas páginas, notei o mesmo ritmo frenético, o mesmo começo bombástico, a mesma tendência ou talento para fisgar a atenção ou a curiosidade do leitor. Que consequências teria aquela tragédia logo narrada de início? Um ato extremamente drástico, que gira em torno de uma mãe e seu filho de apenas cinco anos. Quem não se interessaria pelo deslinde de uma suposta tragédia?
Assim, do tal episódio impactante, tem início toda a construção de uma história para tentar oferecer sentido ao ato daquela mãe, tudo com repasses temporais, que transitam do passado ao presente a fim de propiciar uma conclusão surpreendente ao final das 272 páginas.
Como não me cabe expor, em detalhes, o que houve, desejo, contudo, ressaltar, que, ao lado de uma ótima e fluente escrita, observei, em “Véspera”, aquelas mesmas características que já havia notado em “Tudo é rio”. Mas a bizarrice ou a inverossimilhança dos atos de alguns personagens, desta vez, vêm acompanhadas de mais sutileza ou elaboração.
Noutros termos, o absurdo vem mais diluído e arquitetado de maneira a transmitir que não temos realmente nenhum poder sobre o tempo, essa entidade que dita os rumos da existência. Estamos sujeitos ao aleatório, ao casual, ao surpreendente. Falta-nos o comando que almejamos, apesar da atual avalanche de chatíssimos coaches apregoando o contrário e vendendo ensinamentos.
Sim, concordo. Em inúmeras vezes, tentamos controlar os acontecimentos, planejar as estratégias que nos conduzirão aos objetivos que nutrimos para um vida de paz, amor e realizações. Eis que, de repente, um fato qualquer surge pelo caminho e altera tudo.
Ao longo da obra, veremos, portanto, durante o trânsito temporal, várias atmosferas de tensão, com base na vida de dois irmãos, Caim e Abel. Aí está o bizarro, o incomum, o inverossímil, um pai que dá nome aos filhos de Caim e Abel para confrontar a mãe.
Pois da trajetória dos dois irmãos, que se diferenciam em temperamento e conduta, resultam os demais episódios, inclusive a pancada narrada no primeiro capítulo, e vamos ficando até um pouco sôfregos para alcançar o fim de todo o entrelaçamento familiar.
Reitero, no entanto, a boa escrita de Carla Madeira, mesmo com o que eu chamaria de excesso de psicologismo para esclarecer os dramas da família de Caim e Abel, com o envolvimento de seus pais, épocas de escola e namoradas − as amigas Veneza e Vedina −, que viriam a se tornar suas futuras mulheres.
De mais a mais, é obra que pode muito bem ser usada para o incremento da literatura durante o ensino médio. Fortalecer os níveis de entrega aos livros e à leitura é norte a ser sempre perseguido.
Experimentem-na e, quem sabe, formem opiniões a respeito.
ALBERTO CALIXTO MATTAR FILHO escreve quinzenalmente, às quintas, nesta coluna (mattaralberto@terra.com.br)