“Deus ao mar o perigo e o abismo deu, / Mas nele é que espelhou o céu.” (Fernando Pessoa)
Vida que segue
A capacidade de esquecimento do homem é muito grande, principalmente de coisas negativas – talvez seja até um mecanismo de autodefesa psicológica… a memória apaga acontecimentos ruins. Daí, a necessidade constante de se lembrar e relembrar sempre os fatos marcantes da humanidade e que quase nos levaram à extinção ou nos causaram grandes sofrimentos e perdas. E, mesmo assim, com a história sempre presente para nos lembrar disso, ainda há os negacionistas, como, por exemplo, aqueles que negam a existência do holocausto promovido pelos nazistas durante a Segunda Guerra Mundial (na própria Alemanha é crime negar tal fato – e em vários outros países, também).
Mas, nem só de eventos ruins devemos ser lembrados, coisas boas também foram construídas ao longo da história da humanidade. E é graças a elas que sobrevivemos e estamos aqui hoje, com quase oito bilhões de habitantes neste planeta azul. Ao longo da trajetória do homem sobre a face da terra, grandes impérios se ergueram, ruíram e sucederam-se. Alguns já se tornaram até mitos, pela sua distância longínqua no tempo, sendo vistos hoje como lendas. Mas, de tudo o que se viveu e produziu, o que permanece até hoje e que prevalecerá enquanto aqui habitarmos, as ‘coisas boas’ que estes impérios todos nos legaram, são os valores, tais como a preocupação com a justiça (Código de Hamurabi – Suméria/Babilônia), a arte, ciência e filosofia (Gregos), leis (Romanos) etc. Aqueles que não prezaram os valores inerentes ao ser humano, mas que pautaram suas conquistas apenas pela destruição de outros povos e por se apossar das terras e riquezas alheias, não legaram contribuições ao crescimento da humanidade e, hoje, caíram no esquecimento, ou são lembrados apenas pelo que destruíram e não por algo bom que possam ter acrescentado à humanidade (como o Império Mongol, só rapinagem e destruição).
“Cesse tudo o que a Musa antiga canta, que outro valor mais alto se alevanta” (Camões)
De certa forma, esses princípios também se aplicam às nossas vidas e às nossas histórias pessoais. O que nos acompanha, de forma permanente, nesta ou em qualquer outra realidade, o que nos leva a prosseguir, a construir, a crescer e gerar coisas boas para a sociedade e para o nosso semelhante, o entusiasmo pela preciosa vida que nos é dada, são os valores pelos quais optamos.
Nem só de lamentações vive o homem
Palavras de Jeremias, o profeta das Lamentações, em meio ao caos e desesperança: “Quero trazer à memória o que me pode dar esperança”. Coloque em sua vida valores pelos quais valha a pena viver, que lhe renovem a esperança em tempos difíceis, que celebrem e promovam a preciosa vida que nos é dada.
Desesperar, jamais!
Está em nossas mãos o que pretendemos para o nosso futuro. Somos os juízes desta grande causa. O caminho é longo e cheio de percalços, mas, vale a pena lembrar, cantar e viver… nesta hora e sempre, alguns versos de Ivan Lins: “No balanço de perdas e danos, Já tivemos muitos desenganos, Já tivemos muito que chorar, Mas agora, Acho que chegou a hora, De fazer valer, O dito popular, Desesperar jamais.”
Legado
Neste longo e amplo contexto de incertezas em que vivemos, temos tido a oportunidade e tempo para rever conceitos, relacionamentos, comportamentos, atitudes, enfim, reavaliar como temos visto o mundo e vivido nossas vidas. E a hora é a de decidirmos o que é necessário, fundamental, para a nossa sobrevivência e convívio saudável como humanos, em todos os âmbitos (pessoal, familiar, social, das nações…) e nos desvencilharmos das coisas que nos limitam ou impedem de crescer, de melhorar. Se não podemos tudo, se a tarefa que se apresenta é hercúlea, talvez até utópica, diriam alguns, podemos e devemos começar por nós mesmos e pelo nosso entorno familiar e social. É o mínimo que está ao nosso alcance. O que for feito agora só será percebido e usufruído mais à frente. Mas precisamos prosseguir no processo de mudanças e legar algo melhor para a nossa e, principalmente, para as futuras gerações.
O transitório e o eterno
Trazendo à luz que, em qualquer condição ou situação, o princípio motor, inafastável, que informa as duas cosmovisões atualmente prevalentes e em aparente conflito (capitalismo e socialismo) é o do materialismo histórico e/ou dialético que, grosso modo falando, consideram a matéria como a origem e existência da humanidade. Se a nossa esperança se satisfaz com isso, se é esse o princípio que rege a nossa cosmovisão, em adesão espontânea ou dirigida a uma dessas ideologias – e muitas vezes apaixonada -, como poderemos transcender, independentemente do credo religioso abraçado – ou, até mesmo, da sua ausência?
Saúde e paz a todos!
WASHINGTON L. TOMÉ DE SOUSA, advogado, ex-diretor da Justiça do Trabalho em Passos, escreve quinzenalmente às quartas, nesta coluna