28 de julho de 2025
Foto: Reprodução
Luiz Gonzaga Fenelon Negrinho
Dizia Nelson Rodrigues: “Toda unanimidade é burra.” Frase curta, certeira e incômoda — porque irrita tanto quem concorda quanto quem discorda. Afinal, ninguém gosta de parecer parte de um rebanho, mesmo quando a multidão berra ao redor.
Penso nisso toda vez que passo em frente ao Estádio Jornalista Mário Filho — o Maracanã. Templo do futebol, o estádio leva o nome de um jornalista pernambucano apaixonado pela alma do nosso esporte. Mário fundou o Jornal dos Sports e batalhou pela construção do estádio.
Enquanto Mário dava voz ao grito das arquibancadas, Nelson mergulhava nas tragédias da alma. Um escrevia com a bola rolando, o outro com personagens em cena. Ambos ajudaram a construir mitos — à sua maneira.
O futebol tem esse charme: todo mundo se sente único dentro da massa. Grita o mesmo gol, mas jura ter visto um jogo diferente do vizinho. É uma burrice coletiva com charme — ou se faz de conta.
Meu filho, Sérgio SELF (Sérgio Eduardo Lemos Fenelon), que o diga. Flamenguista de arquibancada e de poltrona, conhece escudos, camisas, títulos, dívidas. Se o Flamengo vence, comemora como se fosse único na multidão. Se perde, culpa o juiz, o VAR, o alinhamento das estrelas — mas jamais o time. A Nação é unânime, porque precisa ser. Se Nelson estivesse por perto, talvez cochichasse: “Cuidado, meu filho. Essa unanimidade tem um quê de burrice bonita.”
É possível que Nelson tenha invejado a popularidade do irmão. Ou talvez só tenha entendido que o grito coletivo — no estádio, no palanque ou na rede — é terreno fértil para a burrice em coro.
E não é só no futebol que isso acontece. No bar da esquina, todo mundo tem a solução para o time, o governo e o clima. Qualquer mesa de buteco é um Maracanã de certezas absolutas — sem VAR, sem modéstia.
Hoje, Nelson faria fila nos podcasts para lembrar que o burro moderno não relincha: compartilha link, repete sem mastigar. O burro digital se sente sábio porque todos repetem a mesma coisa. Quando o fanatismo pula do estádio para a vida real, o placar da razão desaba.
Ainda vale ouvir o cronista maldito: a unanimidade é burra, mas é confortável. Melhor berrar junto do que pensar sozinho na arquibancada vazia. Melhor defender um ídolo até o fim, mesmo com o jogo perdido.
Enquanto isso, Mário descansa na placa do estádio — símbolo de uma paixão que sobrevive a tudo. Nelson, do outro lado, repousa nas estantes, pronto para cutucar quem ainda ousa pensar fora do coro.
Talvez esse fosse o bilhete que ele deixaria colado no portão do Maracanã: “Entre, grite, chore. Mas, pelo amor de Deus, desconfie.”
Porque se toda unanimidade é burra, que sejamos — ao menos de vez em quando — a vaia solitária no meio do estádio.
O resto é gol contra.
Palavra de um atleticano roxo, nascido em Passos e forjado nas Areias Brancas de Formiga.
Luiz Gonzaga Fenelon Negrinho é advogado e cronista. (luizgfnegrinho@gmail.com)