O Mercado Não Quer Cabeças Pensantes – Quer Dedos que Clicam
A crise da empregabilidade não é de competência, é de consciência: o pensamento virou obstáculo em um sistema que valoriza apenas performance digital.
Há vagas. Muitas. Mas também há uma multidão qualificada, experiente e disposta, lançando currículos como quem joga garrafas ao mar, sem resposta, sem retorno, sem respeito.
Enquanto isso, do outro lado da engrenagem, recrutadores repetem o mesmo mantra: “não encontramos ninguém com o perfil ideal”. Um paradoxo? Não. Uma engrenagem intencional.
A realidade do mercado de trabalho hoje não está faltando de talento. Está rejeitando pensamento. Profissionais com duas graduações, especializações, domínio técnico e anos de experiência convivem com a frustração crônica de parecerem invisíveis. E não é por acaso.
Vivemos a era do conteúdo rápido, da reação imediata, da estética da superficialidade. Ser profundo, reflexivo, questionador, tudo isso que antes era visto como virtude, passou a ser desvantagem competitiva. Pensar não engaja. Argumentar não vende. Raciocinar atrasa o feed.
É a lógica da economia da distração: onde a imagem vale mais que a entrega, a presença nas redes pesa mais que a presença no mundo real. O profissional ideal de hoje não é o mais competente – é o mais performático. A vitrine importa mais do que o conteúdo.
Não é a primeira vez que vivemos uma troca de protagonismo. Na Revolução Industrial, o operário substituiu o artesão. Na era digital, o técnico ocupou o lugar do trabalhador braçal. Agora, na era da dopamina e dos algoritmos, o pensador é visto como obstáculo.
O sistema não quer reflexão. Quer repetição. Não quer profundidade. Quer previsibilidade.
O resultado é um mercado que recompensa quem segue fórmulas e pune quem propõe soluções fora da curva. Um ambiente onde a frase “você pensa demais” virou crítica – e não elogio.
Desde a pandemia, o imediatismo se consolidou como padrão. Vende-se com um vídeo curto, emociona-se com uma trilha sonora pronta, converte-se com um botão chamativo. O serviço virou slogan. A decisão virou impulso.
E nesse cenário, a habilidade de pensar virou risco. O questionamento virou ruído. A autonomia virou ameaça.
Estamos presos num sistema que exige diplomas, mas desincentiva reflexão. Que cobra inovação, mas só aceita o que já viralizou. Que pede autenticidade, mas rejeita qualquer coisa que não se encaixe no algoritmo.
O mais perverso disso tudo é que a culpa recai sobre o indivíduo: “você está desatualizado”, “você precisa se reinventar”, “você não tem fit cultural”. O problema nunca é o sistema. Mas talvez, apenas talvez, o problema seja justamente aceitar esse sistema sem questioná-lo.
O que vivemos hoje não é escassez de talento. É sabotagem da inteligência.
Se você se sente deslocado, desmotivado ou “desencaixado”, talvez isso não seja um sinal de fracasso. Talvez seja apenas o efeito colateral de ainda ter pensamento próprio.
E num mundo que lucra com a alienação, pensar continua sendo um ato de resistência.