BRASÍLIA – O jornal Folha da Manhã obteve mais uma importante vitória no Supremo Tribunal Federal (STF). Desta vez, em processo de reclamação apresentado perante à Corte no qual o jornal foi desobrigado pelo STF a indenizar ex-autoridades do município e a retirar de seu portal de notícias, o “CLIC FOLHA”, matérias jornalísticas até então consideradas ofensivas às honras dos reclamantes. Na época, detentores de altos cargos públicos da cidade de Passos, e participantes de uma festa que importunou vizinhos do local onde ocorreu. A decisão foi publicada na última segunda-feira (30).
A Reclamação Constitucional foi proposta pelo veículo, em 30 de abril deste ano, contra decisões da Comarca de Passos e do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais (TJMG), que tinham condenado o jornal a efetuar a indenização e retirar os textos. Os argumentos do jornal, apresentados pelo escritório Carlos Chagas Sociedade de Advogados, evidenciaram que as decisões das instâncias inferiores do Judiciário foram contrárias ao entendimento do STF fixado na Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental 130 (ADPF 130). Na decisão, a Suprema Corte estabeleceu posicionamento em favor da liberdade de imprensa e do direito à informação, determinando na época que atos, mesmo advindos do Poder Judiciário, ordenando a retirada de matérias jornalísticas de sites ou portais, configuravam censura, em desacordo com Constituição Federal.
Por meio de sua defesa, a Folha evidenciou que o cerceamento ao livre e pleno exercício da liberdade constitucional de informação, aplicado pela Justiça mineira, resumia-se à imposição de pagamento de indenizações que inviabilizariam a continuidade da sua atuação como veículo de imprensa, com a retirada dos textos jornalísticos, e pela tentativa de engessar a linha editorial do jornal.
Em consonância com o pleito do Jornal Folha da Manhã, o ministro Luís Roberto Barroso, presidente do STF, afirmou que a Corte, “de longa data”, reconhece a prevalência da liberdade de expressão. “De longa data, o Supremo Tribunal Federal (STF) tem reconhecido o caráter preferencial da liberdade de expressão na Constituição brasileira, por ser elemento essencial para a manifestação da personalidade humana, a democracia, por propiciar a livre circulação de informações, ideias e opiniões e o registro da história e da cultura de um povo”, afirmou na sentença.
Barroso ainda aludiu ao fato de que as matérias se basearam em boletins de ocorrência e no testemunho de pessoas em relação a fatos ocorridos com personagens públicos da cidade de Passos.
“Ademais, o envolvimento de autoridades públicas recomenda a cobertura jornalística. De fato, essas hipóteses impõem uma maior tolerância quanto a matérias de cunho potencialmente lesivo aos direitos da personalidade, diante do interesse público na divulgação da informação. (Ministro Luis Roberto Barroso).
A ministra Cármen Lúcia externou, em sua decisão, que não cabe ao Judiciário tutelar a forma com que o veículo de imprensa descreve suas manchetes no intuito de captar a atenção do leitor.
“A adoção do vocábulo ‘rave’ para se referir à confraternização que se estendia por horas em alegado prejuízo ao sossego dos vizinhos não pode mesmo ser tido, ao menos diretamente, com o enfoque pejorativo reconhecido na sentença. A matéria jornalística impugnada não trouxe qualquer alusão, direta ou indireta, ao consumo de drogas ilícitas. Tampouco pode ser taxada de sensacionalista como se fez no acórdão reclamado, visto que esse termo correspondia ao que se pretendia retratar, um confraternização com ruído exorbitante que se estendia por várias horas. A prevalecer a compreensão externada na decisão reclamada, de que o caráter pretensamente sensacionalista do emprego da palavra ‘rave’ exorbitaria o exercício legítimo do direito de informar, o Poder Judiciário assumiria o papel de censor e atuaria em substituição aos editores de veículos de imprensa na definição da forma como estes buscam chamar a atenção dos leitores para a divulgação de informação que compreendem ser de interesse da coletividade”, escreveu a magistrada.
“Não se pode perder de perspectiva que nenhuma autoridade pública ou agente político está indene a críticas e à censura social, muitas das quais se viabilizam justamente pelo livre atuar da imprensa, a quem compete aferir, com exclusividade, o que é ou não notícia, o que é ou não de interesse do público. Assim também sobre a forma de se manifestar sobre os fatos e acontecimentos, sobre como imprimir sua opinião e, mais ainda, como obter a atenção do público para o que se noticia.
Rompidos há muito tempo os grilhões da censura imposta pelo Estado à livre expressão e circulação de informações e opiniões, não há no Brasil de hoje, que se professa um Estado Democrático e de Direito, espaço para se tolerar qualquer cerceamento da liberdade de expressão jornalística e do direito de todos de se informar, como o imposto à reclamante, especialmente quando este é promovido pelo Poder Judiciário.
A respeitabilidade e honorabilidade de agentes do Estado não há de ser preservada pela escuridão, tampouco pelo autoritarismo, como se Autoridade Pública fosse a pessoa, e não a nobre função pública por ela exercida. Atenta contra o princípio republicano a odiosa construção que teima em ser apagada do imaginário popular, segundo a qual se pretende conferir a agentes públicos a condição de supra-cidadãos, como se fossem eles próprios dotados do poder de ditar o caminho a ser trilhado por todos.
O agente personifica o Poder do Estado e, como tal, em razão das garantias constitucionais asseguradas aos cidadãos, a ele não se sobrepõe. Magistrados e membros do Ministério Público, assim também as autoridades policiais, mais que outros agentes do Estado, têm dever de maior recato e insuspeição. Não por outra razão a eles foi imposto o dever de manter ‘ilibada conduta pública e particular’ (art. 107, inc. I, da Lei Orgânica da Magistratura e art. 43, inc. I, da Lei Orgânica Nacional do Ministério Público).
Como realçado pelo Desembargador Relator da apelação no Tribunal de Justiça de Minas Gerais, ‘a Polícia teve que comparecer por diversas vezes ao local, o que é de se lamentar (…) pelo que não faço qualquer ressalva à opinião do redator de que os participantes da festa deveria dar bom exemplo.’ De fato, é mesmo de se lamentar. Causa espanto que as autoridades locais possam se comportar da maneira retratada nos boletins de ocorrência, ainda que em sua vida privada, e se julgarem violadas em sua intimidade e honra pela divulgação pública dos acontecimentos, como se deu na notícia divulgada pela reclamante, ora agravante”.
(Ministra Cármem Lúcia)
Participaram também do julgamento no âmbito da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal os Ministros Luiz Fux e Cristiano Zanin, ambos votando em favor do Jornal Folha da Manhã, restando vencido de forma isolada o Ministro Alexandre de Moraes.