9 de novembro de 2024
Foto: Divulgação
Rafael Freire
2 de novembro de 2024. Feriado de Finados. Um sábado chuvoso em Ribeirão Preto, interior de São Paulo, uma das capitais do agronegócio brasileiro. No banco de um Uber, um mineiro discreto da região da “Ventania” começa a conversa sobre política.
Logo de cara, ele pergunta: “E o prefeito eleito de Ribeirão, é bom?”. O motorista responde prontamente: “Eu não votei nele. Votei no candidato do Novo. O cara ia acabar com a mamata.” Insisti: “Mas ele é bom?”. E a resposta, certeira: “Não conheço bem. Sei que é um empresário bem-sucedido. Mas o outro candidato, que ganhou, era apoiado pelo PT.”
Pimba! Ali, eu confirmei o que há tempos venho dizendo entre amigos: maior que a rejeição aos candidatos de centro-esquerda é o sentimento de “antipetismo”.
Isso porque, não importa quem seja o outro candidato; se ele não tem vínculo com o PT, os demais atributos necessários para a escolha do representante perdem importância. Basta não ser “do lado do PT”.
Saí do carro, entrei no shopping, dei uma volta. No retorno ao hotel, chamei outro Uber e repeti a pergunta. A resposta foi a mesma. Fiz isso nas próximas corridas. Incrivelmente, os quatro motoristas deram a mesma resposta, variando apenas a entonação e o foco em determinados pontos da fala.
No domingo, almocei com meu tio em Ribeirão Preto. Antes do almoço, soltei a pergunta: “E a política por aqui?”. O sogro dele, bolsonarista convicto, afirmou: “Não votei no prefeito eleito nem no candidato do Novo. Votei no PSDB.”
Foi a deixa que eu precisava para perguntar: “E quem foi um bom prefeito para Ribeirão Preto?”. A resposta me surpreendeu: “Eu já votei no PT. O Palocci foi um ótimo prefeito.”
Confesso que não esperava essa resposta. Como um bolsonarista convicto pode afirmar isso? Logo sobre Antônio Palocci, ex-ministro do Lula, envolvido no “Mensalão” e na “Lava Jato”?
Então, comecei a me perguntar: onde foi que a esquerda se perdeu? Sem ser cientista político — apenas um jurista com inclinação para a política — formulei algumas observações:
A esquerda não perdeu para a extrema-direita ou para o “centrão”, mas para o próprio povo. O trabalhador médio, assalariado. O autônomo que vive de bicos. O motorista de Uber que, enfrentando uma rotina estressante e o trânsito caótico, precisa garantir o sustento de sua família.
A falta de diálogo com as camadas sociais criou um vazio que vem sendo preenchido não pela direita tradicional, mas por políticos que conseguem furar a bolha e conversar com segmentos excluídos do debate político.
Ao focar nas grandes cidades e nas capitais, a esquerda se distanciou do interior. E, observando bem, boa parte das lideranças da direita têm origem nos rincões do Brasil, como o governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo), de Araxá, e o senador Cleitinho Azevedo (Republicanos), de Divinópolis, ambas cidades do interior mineiro.
A esquerda brasileira precisa começar a andar de Uber. Este seria o meu conselho como político do interior, das bandas da “Ventania” (para os íntimos) e de Alpinópolis (para os desconhecidos): comecem a andar de Uber.
João Campos (PSB), prefeito reeleito de Recife, representa um respiro para o campo progressista, mas ainda está longe de alcançar as várias “Ventanias” espalhadas pelo país. Ele, sozinho, não basta. As novas lideranças progressistas precisam dialogar, criar trocas contínuas e, como dizemos por aqui, pegar o “boi pelo chifre”.
Será que a esquerda brasileira está pronta e disposta a ir para a USP de Uber?
Rafael Freire, 31 anos, prefeito reeleito de Alpinópolis-MG. Ex-vereador, advogado, pós-graduado em Direito Constitucional e Eleitoral pela USP