Ícone do site Folhadamanha

Qual a melhor fábula?

FOTO: REPRODUÇÃO

GILBERTO ALMEIDA

“A voz da verdade é inaudível para aqueles que só ouvem o som da multidão.” Khalil Gibran

Desde criança, ouço a história do menino que, em um desfile cívico, marchava fora de compasso: enquanto todos firmavam o pé direito, ele firmava o esquerdo. Seus petulantes pais, no entanto, insistiam que todos estavam errados, exceto seu filho. Refletindo sobre o resultado das eleições em Passos, percebo que me encontro no papel desse menino, envolvido pela soberba dos pais, incapaz de reconhecer seu erro.

Sabendo que os resultados eleitorais indicam que ao menos 9 em cada 10 pessoas discordam de minhas opiniões, talvez devesse repensar minha visão sobre o Governo Municipal. Quem sabe assim, eu finalmente enxergue as obras que antes não conseguia ver e conclua que o expressivo aumento de receita do atual governo, coroado com uma reeleição esmagadora, foi aplicado em transformações grandiosas para a cidade, embora este inflexível colunista as tenha ignorado! Talvez seja hora de eu corrigir minha indignação com as estradas rurais devastadas, com as despesas com caminhonete de luxo e o esdrúxulo Britador — que, afinal, foram essenciais para um governo que apoiou o agronegócio como nunca antes.

Quanto às deficiências na coleta de lixo e à sujeira que aqui mencionei, de agora em diante, deveria culpar exclusivamente a empresa contratada, que, afinal, não foi devidamente fiscalizada pelo prefeito e sua equipe devido a sua bondade. Afinal, essa empresa parece pertencer a alguém de baixa renda que merece uma chance, e a generosidade do governo não poderia ser questionada. Que cruel fui ao pensar diferente!

Sobre os milhões de recursos públicos destinados a uma única associação cultural e o controverso credenciamento para despesas de publicidade, preciso rever minha posição urgentemente. A ADESC, na verdade, possui uma excelência que os pobres agentes culturais passenses não conseguem igualar, e por isso não têm motivo para reclamar. Quanto à publicidade, deveria me render ao raciocínio baseado em notas taquigráficas de um voto vencido de um conselheiro do TCE de Santa Catarina, que, no caso de Passos, justifica a prática de inexigibilidade de licitação. E quanto à taxativa vedação legal? Ora, isso é apenas um detalhe! Sobre a promoção pessoal, fui maldoso ao apontá-la, pois as rádios e web TVs realizaram apenas uma divulgação educativa e informativa, sem mencionar autoridades. E os altos valores gastos em detrimento por exemplo de uma saúde depauperada? Isso é Poder discricionário de um prefeito ungido com 88% dos passenses e assim escolhe a seu bel prazer o que é prioridade. Os problemas da população foram noticiados de forma isenta, e as críticas ao governo não apareceram simplesmente porque o governo nunca errou. A esmagadora vitória eleitoral prova sua infalibilidade “ex cathedra”.

A falta de fiscalização sobre os atos do governo não é um problema, afinal, um governo reeleito com 88% dos votos não precisa de fiscalização. Certamente, não foi o “toma lá, dá cá” que conquistou a boa vontade de quem deveria fiscalizar. Talvez eu devesse me processar por ter imaginado tal malícia! Eu jamais poderia ter condenado o Prefeito que, sem ser fiscalizado durante os 4 anos, também achou que não precisava  enfrentar os  debates, mas quem sabe, ele estivesse ocupado demais gerindo a cidade do alto de seu gabinete, para perder tempo com “detalhes” como prestar contas à população que o elegeu. Afinal, para que encarar um debate se você pode apenas evitar o confronto e perguntas incômodas e torcer para que ninguém perceba sua fuga? E ninguém percebeu, de fato, e esse colunista birrento fica protestando sem motivos!

Por fim, sobre a saúde — que muitos elogiaram durante a campanha — minha miopia me impediu de enxergar a realidade. Deveria acreditar que a fila de 50 mil exames, cirurgias e consultas é normal e que, durante o segundo mandato, esse número não aumentará. Deveria crer que não faltará mais remédios e que o atendimento na UPA e nas UBDs  continuará eficiente. Afinal, se houvessem pessoas sofrendo em filas ou sem acesso a medicamentos, certamente não votariam pela reeleição, correto? Contudo, votaram! Isso significa que, ao apontar erros na saúde, eu estava redondamente enganado, movido por falácias e ressentimento, como certo dia insinuou o vice-prefeito eleito.

Apesar de tudo, sei que nada disso me convencerá. Confesso que, após tantos anos, estou velho demais para me render ao que não acredito. Render-me significaria sentir-me morto por dentro. A menos que argumentos sólidos me convençam, permanecerei fiel às minhas convicções. Elas criaram em mim uma profunda repulsa por aqueles que, após vociferarem críticas severas, agora se ajoelham diante do governo em troca de “benesses” ou de cargos para filhos, afilhados ou até para si próprios. Permanecerei, como sempre estive, leal aos meus princípios e honesto comigo mesmo e com as pessoas. Tenho o orgulho de ter participado de governos que jamais mereceriam as críticas que hoje faço. A história já foi escrita para nossos heróis do passado, e os atos de hoje estão moldando um futuro e só serão julgados com o tempo, não pela pesporrência de quem se vangloria de vitórias baseadas em palavras vazias.

Por fim, deixo uma pequena fábula, como contraponto à história do menino marchando:

Um homem subia todos os dias em um banquinho no meio da praça e falava sobre política, justiça e liberdade. Suas palavras, ricas em metáforas e intensidade, ecoavam, mas ninguém parava para ouvi-las. Um dia, um jovem curioso perguntou por que ele continuava a falar. O homem respondeu: “No início, eu falava para mudar o mundo. Agora, falo para que o mundo não me mude.” Ele continuou discursando, não esperando aplausos, mas para lembrar a si mesmo de suas convicções e não se perder na indiferença. Seus discursos, que poucos ouviam, não mudaram o mundo, mas preservaram o homem. Esse é o verdadeiro poder: manter-se fiel a si mesmo quando tudo ao redor parece divergir. E assim, dia após dia, resistir às adversidades, porque, às vezes, as palavras mais poderosas são aquelas que dizem respeito a não nos perdermos de nós mesmos.

GILBERTO BATISTA DE ALMEIDA é engenheiro eletricista e ex-político, escreve quinzenalmente às quintas nesta coluna

Sair da versão mobile