Dia a dia

Os loucos anos 60 e a geração Z

30 de abril de 2024

ALDO BIZZOCCHI

Há muito tempo se vem endeusando a geração de pessoas nascidas nos anos 40 e 50 do século passado e que, portanto, foram jovens ou adolescentes nos “loucos” anos 60. Essa geração, movida a sexo, drogas e rock’n’roll, ao amor livre, aos cabelos compridos, às calças jeans, aos tênis e camisetas, ao flower power, ao “paz e amor”, à cultura pop, à contracultura, à contestação do establishment e do sistema, à admiração pelo socialismo e por figuras como Che Guevara e que recomendava não confiar em ninguém com mais de 30 anos ao final envelheceu.

Sem dúvida, muitas conquistas foram feitas por esses jovens que, pela primeira vez, graças ao morticínio da Segunda Guerra Mundial, formaram a maioria da população. Desse modo, a indústria cultural e a indústria do consumismo, que eles tanto criticavam, logo passou a oferecer produtos dirigidos a eles. O rock e o pop abriram portas para uma renovação estética quando a música popular era pura estagnação (pense-se, por exemplo, na revolução provocada pelos Beatles, cujos frutos estamos colhendo até hoje). No entanto, essa revolução também abriu caminho para manifestações musicais de mau gosto e para muito lixo cultural, como o brega, filho da Jovem Guarda e neto do rock’n’roll. As canções de protesto de Bob Dylan e Joan Baez criaram as condições para que atualmente MCs patrocinados por criminosos cantem funks de crítica à polícia e de apologia às drogas. O rock dançante dos anos 50 deu lugar ao psicodélico dos anos 60, ao progressivo dos 70 para enfim desaguar na pauleira e no punk barulhento dos anos 80.

A calça jeans, usada para democratizar e “descaretizar” o vestuário, virou o uniforme que padroniza a todos, como ocorria na China comunista até a década de 1990. Hoje, quando os idosos também usam jeans e curtem rock, pois já nasceram na era pop, jovens e velhos estão novamente igualados, exatamente como não queriam os rebeldes de então.

A banalização do sexo (chamada à época de amor livre, que pouco ou nada tinha de amor), propiciada pelo advento da pílula anticoncepcional, permite hoje o fenômeno das periguetes, das mães solo (isto é, mães solteiras, muitas apenas adolescentes) e a objetificação das mulheres. Hoje, a garota que for a uma balada e não aceitar transar logo na mesma noite com o carinha que acabou de conhecer é simplesmente “fresca”. Como se a razão de ser das casas noturnas não fosse dançar, descontrair e tomar uns tragos, mas sim promover encontros sexuais sem compromisso (o que os ingleses chamam de one night stand).

O grande problema é que essa geração “empoderada” teve filhos e netos e os educou segundo os valores em que acreditava. O resultado estamos vendo hoje: jovens adultos mimados e ensimesmados, que não aceitam ser contrariados, que não se adaptam ao mercado de trabalho, que destilam sua rebeldia sem causa nas redes sociais sob a forma de discursos de ódio, que educam mal os seus filhos — ou nem educam, deixam essa tarefa aos professores e ao TikTok —, y otras cositas más.

Passada a empolgação com aquela geração e seus avanços estéticos e comportamentais, empolgação essa que durou algumas décadas, resta fazer um balanço crítico de seu legado neste século XXI de internet, redes sociais, celulares, nova ascensão do fascismo, “guerras quentes” (a Guerra Fria, que tanto temíamos, nunca degenerou para um conflito armado): será que o mundo que eles ajudaram a construir é um mundo realmente melhor? Muitos ex-hippies, hoje na casa dos 70, 80 anos, reconhecem que, em sua ingenuidade de acreditar que poderiam mudar o mundo, acabaram tragados pelo sistema que tanto combatiam, que sua ideologia se transformou em mais um artigo de consumo: camisetas com a estampa do Che produzidas por grandes confecções multinacionais e com mão de obra semiescrava na China ou na Indonésia, bandas de rock multimilionárias andando de limousine e fazendo exigências extravagantes para se apresentar em festivais, o sexo fácil descambando para a paternidade/maternidade irresponsável e para a violência de gênero e o feminicídio…

Eu peguei a “rabeira” desse movimento e por muitos anos fui um entusiasta desse admirável mundo novo criado pelos hippies, pelos Beatles e Rolling Stones, por James Dean, John Travolta, Madonna, Michael Jackson, pelo Maio de 1968, por Fidel Castro, por Jean-Paul Sartre e sua companheira, Simone de Beauvoir, mas confesso que hoje me sinto decepcionado. Se até os anos 50 não se falava em drogas e nos anos 60 droga era coisa de bicho-grilo e quem não usasse era careta, hoje vemos a devastação que as drogas causam na nossa sociedade: crime organizado mais poderoso que o Estado, infiltrado em todos os lugares (presídios, escolas, igrejas), uma geração de jovens perdida, alienada, sem perspectiva de futuro, vivendo um eterno presente como se não houvesse amanhã — e talvez não haja mesmo —, o planeta sendo destruído, e os poderosos de sempre lucrando com tudo isso.

Até quando?

ALDO BIZZOCCHI é doutor em linguística e semiótica pela Universidade de São Paulo (USP), com pós-doutorados em linguística comparada na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e em etimologia na Universidade de São Paulo.