Opinião

Orações na medida

26 de maio de 2025

Luiz Gonzaga Fenelon Negrinho

Confesso: nunca fui homem de longas orações. Não passo horas ajoelhado, recitando salmos, ladainhas ou clamores sem fim. Mas também não atravesso a vida em silêncio espiritual. Faço minhas preces na medida — aquela que cabe no meu coração e na minha verdade. Oro o suficiente para perceber que, sem esse fio invisível que me liga ao alto, a vida perde o prumo.

Falo por mim, claro. Cada um se entende com o divino à sua maneira. Há quem passe horas diante do altar — em casa, na igreja, no trânsito — murmurando palavras entrecortadas de fé. E tudo bem, se houver sinceridade. O que me espanta é ver quem termina uma prece e, minutos depois, já pragueja o vizinho, julga o irmão, espalha veneno como quem sopra cinzas ao vento.

Essa fé de vitrine, cheia de pose e afetação, me incomoda. Não é preciso encenar santidade para se conectar com Deus. Ele não se impressiona com olhares piedosos nem com palavras bem arrumadas. O que conta, de verdade, é a inteireza do gesto, a limpidez do pensamento, a coerência entre o que se crê e o que se vive.

Perdoem o desabafo. Mas entristece ver tanta oração de aparência, enquanto a compaixão — essa sim, oração encarnada — vai sendo esquecida. Não sou santo, nem justo o tempo todo. Erro, tropeço, me contradigo. Mas tento. Tento não cuspir no prato que me alimenta. Tento não esquecer que cada refeição é milagre: fruto do suor de quem lavra, colhe, transporta, cozinha. Quando oro antes de comer, agradeço a Deus — e a cada mão anônima que fez aquele alimento chegar à minha mesa.

Há quem nem pense nisso. Rejeita o feijão duro, despreza o arroz frio, cospe palavras amargas sobre a comida — e sobre a vida. E o pior: fazem isso depois de longas orações, como se elas fossem escudo mágico a justificar mesquinharia, arrogância, indiferença.

A mim, basta uma prece breve, mas verdadeira. Um agradecimento sussurrado ao amanhecer, um pensamento elevado no cair da noite, um pedido feito no meio da correria. Não preciso de plateia nem de aplausos. Deus me vê. Deus me conhece. E sei que Ele distingue — sem erro — a fé encenada da fé vivida.

E a vida segue. Entre quedas e recomeços, entre o que oro e o que faço, sigo buscando essa medida justa: orar com o coração, viver com coerência, amar com humildade. No fim das contas, talvez seja isso o que mais se aproxima do sagrado.

Glória a Deus por isso.

          Luiz Gonzaga Fenelon Negrinho é advogado e cronista.

(luizgfnegrinho@gmail.com)