Luiz Gonzaga Fenelon Negrinho
Joias da República
Sobre os presentes recebidos da Arábia Saudita por Jair Messias Bolsonaro, curiosa a fala de hoje do senador Hamilton Mourão (Republicanos-RS) e até certo ponto compreensível: “A corda vai acabar arrebentando do lado mais fraco”. Na evidência de quem intermediou a entrega das pedras preciosas. Como em todo roteiro de dramas de cinema que se vê por aí, os aspones ficarão com a culpa e o chefe e capitão sairá ileso, sem arranhão e nenhum desconforto. Será? Ligeiras dúvidas.
Na verdade, não creio nem um pouco. Na vida tudo tem preço e consequências por atos praticados ativa e passivamente, de acordo com a sua natureza. E a cobrança, ainda que tardia, vem. E não será diferente no caso das joias, que continua rendendo na mídia a cada dia que passa.
Assim que soube do imbróglio, lembrei-me do que lera há tempos sobre o avião do atacante Hulk, do meu Atlético Mineiro. Quem não gostaria de ter um jato de R$11 milhões, um Hawler 800P, avião executivo dos mais modernos e confortáveis do mercado? Noves fora o preço da manutenção, particularmente gostaria e muito.
Quando fiz as contas. Só o estojo de joias presenteado a Michelle Bolsonaro está estimado em R$16,5 milhões. Não se leva em conta aqui o outro pacote que contém caneta, anel, relógio, par de abotoaduras e uma espécie de rosário, da empresa suíça Chopard, uma das marcas mais badaladas e caras no ramo de joias do mundo.
A mim não causou espanto a atitude de Bolsonaro em se posicionar como quem não sabia de nada, de que não havia motivo para escarcéu, não há ilegalidade e que seguiu a lei, em suma, não há nenhuma ilegalidade na sua conduta.
Não, senhor capitão. Mais uma vez o senhor infringiu a lei. E não é a primeira vez. Seguidas vezes. E nesse caso específico as opiniões de juristas apontam exatamente para um só lado: os itens que compõem os bens ofertados pelo governo da Arábia Saudita não têm absolutamente nada a ver com presentes em “caráter personalíssimo”, como querem fazer crer o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) e o advogado Frederico Wassef, que representa o ex-presidente Bolsonaro.
As joias presenteadas a Jair e Michelle Bolsonaro estavam na mochila do então assessor do ex-ministro de Minas e energia no governo Bolsonaro, Bento Albuquerque, que tentou de todas as formas liberá-las ao estilo “carteirada”, prática lesiva e criminosa, cujo episódio pode configurar os crimes de descaminho, peculato e lavagem de dinheiro, entre outros delitos.
A Polícia Federal intimou o ex-ministro, Bento Albuquerque, e o assessor da pasta, Marcos André Soeiro, a depor no inquérito sobre as joias dadas por autoridades da Arábia Saudita ao Brasil em outubro de 2021. Portanto, há mais de um ano.
A devolução do segundo estojo deve ser imediata, lembrando que as joias destinadas à ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro, por não obedecerem aos protocolos alfandegários, foram apreendidas por fiscais da Receita Federal no Aeroporto de Guarulhos, em São Paulo, e segundo consta, permanecem até os dias de hoje, guardadas em depósito de segurança máxima do aeroporto, vigiada 24h por dia e com acesso restrito.
O senador Hamilton Mourão tem razões em parte quando diz: “a corda há de arrebentar do lado mais fraco”. Mas, queira ou não, não gostaria de estar na pele do ex-presidente Bolsonaro. O segundo estojo passou na alfândega e na manha, através do ex-auxiliar do ex-presidente, o tenente-coronel Mauro Cid, um detalhe chama a atenção: o bem só foi declarado à União um ano após a entrada no Brasil e sem comunicar ao que popularmente chamamos de Fisco.
E não estamos falando aqui de item pessoal. É da República! A título de curiosidade, senão de caradurismo, após a repercussão negativa do caso, a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro fez postagem em sua conta no Instagram e ironizou: “Eu tenho tudo isso e não estava sabendo? Meu Deus!”
E quanto ao ex-presidente Jair Bolsonaro, que ainda se encontra nos Estados Unidos – segundo dizem irá se encontrar em Washington, nos Estados Unidos, com o ex-presidente Trump durante a Conferência de Ação Política Conservadora (CIPAC), sua reação foi esta: “Estou sendo acusado de um presente que eu não pedi, nem recebi. Vocês vão longe mesmo, hein?! Estou rindo da falta de cabimento dessa imprensa vexatória”.
Sabia, sim, senhor capitão. Só não quer admitir para inflamar ainda mais seus fieis e apaixonados seguidores. À justiça o senhor não engana. Terá que responder pelos seus atos. Ou será que ao sargento toda a culpa?
Público e notório, as joias milionárias apreendidas (e por apreender) são do Estado brasileiro e, longe disso, não bens pessoais de Michelle e Jair Bolsonaro.
A sorte é lançada.
Luiz Gonzaga Fenelon Negrinho, advogado, escreve aos domingos nesta coluna.(luizgfnegrinho@gmail.com)