Opinião

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6 de julho de 2023

ALBERTO CALIXTO MATTAR FILHO

O pai Goriot, de Balzac

Li Balzac, pela primeira vez, em 2008. Um romance relativamente curto, “A mulher de trinta anos”, que ressaltava as contradições e infelicidades das mulheres no século XIX, já que submetidas aos padrões impostos pela sociedade. Esse romance antecedeu outros que trouxeram duas das personagens femininas mais famosas da literatura: “Madame Bovary”, de Flaubert, e “Ana Karênina”, de Tolstói.

Honoré de Balzac nasce em Tours, região central da França, em 1799, e logo vai viver em Paris, onde morre em 1850, com apenas 51 anos. Dono de vida intensa e muitos amores, trabalhou em cartórios, jornais, gráficas e chegou a iniciar os estudos em Direito, porém seu grande desejo era mesmo escrever. Nutria a obsessão de ser escritor, atividade a que se dedicou incansavelmente.

“A comédia humana” é o título geral que dá unidade a toda a obra de Balzac, um nome abrangente para série de romances, novelas e contos específicos que publicou. No total, escreveu 89 histórias que estão inseridas no grande painel de “A comédia humana”, com títulos diversos e personagens que se repetem em vários livros.

Tal designação resulta do olhar clínico que ele sempre manteve em relação à conduta das pessoas durante as primeiras décadas do século XIX em Paris. Há quem defenda a ideia de que se aprende mais da natureza humana com a literatura de Balzac do que com estudos próprios da sociologia e dos historiadores.

Trata-se de um amplo panorama em que as ambições e os casamentos de conveniência para melhor acesso aos bens materiais determinam os anseios das famílias em tantas obras, num autêntico jogo de aparências que acarreta muito mais frustrações do que felicidade.

Balzac a tudo transmite com doses de ironia. Eis a grande comédia humana da sociedade parisiense por sus baronesas e barões praticando a ostentação a qualquer preço. Mesmo quem ainda pretendesse seguir caminhos morais sólidos acaba sufragado pela avalanche de conjunturas opostas.

Um verdadeiro oceano de ilusões e frivolidades narrados com o talento de um escritor que sabe construir enredos, criar personagens e exibir seu pensamento naqueles ambientes conduzidos por luxo, vícios, hipocrisia e interesses imediatos.
É o que ocorre no clássico “O pai Goriot”, que consiste no percurso de um trabalhador que adquire estrutura financeira ao longo da vida. Por almejar o bem das duas filhas, logo as concedeu em casamento a um banqueiro e um barão, ambos de muitas posses. Mas já velho, viúvo e aposentado, vai residir em uma pensão popular em Paris, onde também se abrigam outros pessoas com peculiaridades próprias.

Ficamos então curiosos pela trajetória de cada um dos moradores, mas o jovem estudante Rastignac é quem vai se aproximar de Goriot e de suas filhas, que já sofriam os problemas causados pelos dois maridos déspotas e ávidos por dinheiro.
A evolução da história apresenta uma sucessão de acontecimentos em que os focos de Balzac se dirigem para cada um dos personagens, mas o protagonismo fica reservado ao pai Goriot, às suas filhas e ao jovem Rastignac.

Goriot, um pai que nutria absoluta devoção pelas filhas, mas não era correspondido. Um pai que seria capaz de entregar tudo que pudesse a elas, que, entregues ao ambiente supérfluo de Paris, não o valorizavam. Um pai que lhes daria tudo, mesmo que nada recebesse em troca.

Rastignac, um estudante idealista, que se vê diante de um cenário de festas, sexo, amores, traições e perversidades, mas tenta preservar o mínimo de caráter diante de interesses abjetos. Embora também atraído pelo glamour das situações a que se expunha, ele não deixa de auxiliar o pai Goriot nos momentos de agonias do velho. A lealdade que não lhe deram as filhas, muito menos os genros, coube a Rastignac.

Romance na acepção da palavra, “O pai Goriot” simboliza, por outro lado, essa extraordinária crônica dos costumes na Paris das primeiras décadas do século XIX, mas a essência das dores e do hilário trazida por Balzac continua por aí, sempre atual.
Em sua profunda visão de comportamentos, ele legou para as páginas dos livros todo o brilho de um cáustico observador de nossas tragédias e comédias rotineiras.

ALBERTO CALIXTO MATTAR FILHO escreve quinzenalmente, às quintas, nesta coluna (mattaralberto@terra.com.br)