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Opinião

SILVESTRE GORGULHO

Alysson Paolinelli, o adeus e o legado

O Brasil está mais triste com a despedida do ex-ministro Alysson Paolinelli (10/7/1936 —29/6/2023). A 11 dias de completar 87 anos, o ex-ministro da Agricultura parte deixando um legado de sonhos e de conquistas na área da educação e da agropecuária brasileira.

Ex-aluno, professor e diretor da Escola Superior de Agricultura de Lavras (Esal), hoje Universidade Federal de Lavras, Alysson Paolinelli foi por três vezes secretário da Agricultura de Minas (governos Rondon Pacheco, Hélio Garcia e Eduardo Azeredo), comandou o Ministério da Agricultura no governo Geisel (1974-1981) e ainda participou da Constituinte como deputado federal por Minas Gerais.

Aliando educação, ciência, gestão e respeito ao meio ambiente, Paolinelli comandou uma equipe que plantou nova história da agropecuária em terras tropicais. O Brasil colheu a liderança mundial nas tecnologias de produção de alimentos da agricultura e da pecuária. Nasceu o agronegócio para valer. Competitivo e transformador.

O segredo? Aparelhou o Brasil para deixar a mentalidade de colônia e resolver seus problemas com as próprias mãos. Além das culturas tropicais tradicionais, tipo cana-de-açúcar, café e cacau, a partir de 1974 o Brasil entrou, com cara e coragem, na produção de alimentos então ligados às áreas de clima temperado do planeta: conseguiu o milagre de, em solo tropical, produzir trigo, milho, soja, frutas, hortaliças, gado de corte e de leite.

O milagre da transformação foi um investimento pesado em ciência, tecnologia, inovação, formação de recursos humanos e conhecimento. Assim, aos poucos, o país virou líder mundial nas tecnologias de produção de alimentos nos trópicos, que hoje salva os países situados nas regiões equatoriais do planeta — quase sempre os mais pobres.

Por que a gestão Alysson Paolinelli foi um divisor de águas? Primeiro, porque colocou as pessoas certas nos lugares certos e deu a elas condições de trabalho. Depois, após o fortalecimento do sistema de pesquisa agropecuária e crédito, incentivou a iniciativa privada a ocupar o espaço empreendedor.

Enfim, o Brasil entendeu que, diferente do setor industrial e de serviços, o trabalho com a terra (produção de alimentos) tem características distintas de um lugar para outro. Não adianta trazer vaca holandesa sem adaptações que carrapato mata. Semente de trigo tem que ser adaptada e melhorada.

Fabricar um produto industrial é relativamente fácil. Paga-se royalties e faz igual. Ou, importa-se um carro, coloca-se uma equipe de engenheiros especializados, desmonta-o e reproduz cada peça. Na agricultura é diferente. Uma coisa é fazer agricultura em países de clima temperado, com terras férteis, onde a neve elimina a maioria das pragas e, ainda, irriga o solo no degelo.

Outra coisa é fazer agricultura em terras tropicais. O solo precisa ser corrigido, as sementes adaptadas, há de fazer fixação de nitrogênio no solo, controle biológico de pragas, adaptar condições de plantio e de colheita. Não há como copiar.
O cientista Norman Borlaug, Prêmio Nobel da Paz-1970, fortaleceu a paz no mundo ao desenvolver pesquisas para produzir cereais em quantidade, qualidade e preços compatíveis. Com fome não há paz. Mas suas pesquisas foram em clima temperado do planeta. Paolinelli fez o mesmo na área tropical. Como Borlaug, Alysson Paolinelli não era filósofo, nem líder comunitário e muito menos ativista. Era um brasileiro que acreditava na ciência e lutava para melhorar a produtividade.

Em 1979, ao visitar a Embrapa Cerrado, em Planaltina-DF, o próprio Norman Borlaug declarou: “O Brasil dá uma lição ao mundo ao fazer uma Revolução Verde Tropical, transformando as terras do cerrado em polo de produção agropecuária. A conquista de uma tecnologia tropical é exemplar que salva o Brasil e salvará a África”.

Na mesma trilha de Borlaug, Paolinelli foi por duas vezes indicado oficialmente ao Prêmio Nobel da Paz por “ter provocado uma revolução verde ao desenvolver tecnologias agrícolas nas áreas tropicais e fazer do cerrado grande produtor de alimentos, o caminho salvador para os países pobres que estão nas savanas africanas”. Aqui e lá, as novas tecnologias conseguem domesticar áreas inóspitas e fazer delas celeiro de alimento para seu povo.

No adeus a Alysson Paolinelli, um momento de agradecimento e de louvor à capacidade de ainda ter brasileiros que pensam grande e dão provas de amor à pátria. Bem lembra o economista-agrônomo Eliseu Roberto de Andrade Alves, um dos fundadores da Embrapa: “Alysson Paolinelli foi um gigante na implantação dos projetos concebidos pelo grupo que pensou a Embrapa.

Paolinelli foi gigante em levar o Brasil a fazer uma revolução verde tropical. E foi gigante ao deixar sua mensagem de fé, provando que o país que não investe em ciência condena seu povo a sobreviver com o suor de seu rosto”.
A revolução verde tropical brasileira salvou o mundo da fome. Com fome, não há paz. Alysson Paolinelli, obrigado. Descanse em paz.

SILVESTRE GORGULHO, jornalista, foi secretário de Cultura de Brasília

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