Luiz Gonzaga Fenelon Negrinho
Andar com fé eu vou
Falem o que quiserem – reacionários e companhia limitada – o Brasil voltou ao centro das atenções do mundo. E está vivendo um bom momento, apesar da taxa de juros na imensidão das alturas, a bem da verdade, nada a ver com o atual governo. O próprio presidente do Banco Central, Roberto Campos, deixou claro: “Não tem componente político”. E de fato não tem nenhum viés ideológico nos números frios e matemáticos.
E não adianta falar mal do atual governo, atribuir decisão para definir redução ou aumento da taxa de juros, a tão badalada Selic, seja esta simples ou composta. Mas a oposição – não tão bem articulada até então – aproveita o momento para falar que a culpa é de Lula e sua equipe, o que em absoluto não procede.
Para se ter ideia, desde agosto do ano passado, no ardor da campanha política, a taxa Selic tem se mantido em 13,75% ao ano, o que não é agradável pra ninguém. Taxa tão elevada impede o crescimento econômico, a oferta de emprego e afeta diretamente os mais pobres. Daí que nos últimos tempos, estamos às voltas com o Banco Central (Bacen), mais precisamente com a diretoria do Copom (Comitê de Política Monetária), responsável pela definição da taxa de juro base da economia para questionar tantos porquês.
Vão perguntar os incautos por que motivo o presidente da República e o presidente do Banco Central (este também integra o CMN (Conselho Monetário Nacional) vivem se estapeando em agendas públicas e privadas, o que é fácil explicar. Campos Neto culpa a situação do país e suas dificuldades por tudo que está passando, o que, em outras palavras, “não tem culpa do que está acontecendo no país e não faz mágica para minorar a situação”. Ao passo que o presidente Lula e sua equipe culpam o Banco Central pela taxa abusiva de juros, como se o mercado pudesse ser ministrado a toque de caixa, o que não é bem assim.
Maneira simples de ver e entender o posicionamento técnico do Banco Central, é que “o combate à inflação é o melhor instrumento social, porque a inflação é um elemento muito corrosivo para os rendimentos dos mais carentes”. E como o governo Lula traz no seu histórico e estilo de governo a chancela de diminuição das desigualdades sociais, vê-se que a luta é ingente, no dizer popular, “briga de cachorro grande”.
O que se sabe de maneira prática – dor no bolso e dorso o comprovam – é que as expectativas de inflação têm muito a ver com o sistema de metas, porque os preços praticados são baseados nessas expectativas.
Tudo muito complexo na economia, expectativas de inflação ancorada etc., melhor torcer pelo Brasil, acima de tudo e de todos. Economicamente doente, isto se sabe, a torcida é que o sistema econômico deixe rapidamente a ala crítica do hospital em que se encontra, a fim de que se possa controlar a política inflacionária, já que a taxa de juros está metida nisso. E nesse processo ajude a diminuir o número dos brasileiros abaixo da linha da pobreza – hoje acima dos 65,2 milhões. Aí, sim, valerá a pena ver o presidente Lula fazer discurso inflamado, pomposo, bonito, no concerto dos países do mundo, sob as bênçãos do presidente francês, Emmanuel Macron e de outros tantos.
Duro é saber que entre discursos cheios de fetiches retóricos, como o da Cúpula para um Novo Pacto Financeiro Global, em Paris, na França (23), assim como tratativas de verbas bilionárias, tendo como pano de fundo o clima do mundo e a Amazônia, existem instrumentos econômicos como a Selic (Sistema Especial de Liquidação e de Custódia), para complicar a vida de todos os brasileiros, do mais rico ao mais pobre. Nessa questão específica não há desigualdade, pois afeta decisões de compra e investimento. Choro igual para desiguais.
Voltando ao primeiro tópico, inegavelmente, há que se comemorar a reinserção do Brasil ao centro das atenções do mundo. É bem recebido, enaltecido e muito aplaudido. Nesse aspecto temos muito que celebrar, com honra e glória.
Todavia, é muito importante as iniciativas para obter investimentos com resultados significativos, a necessidade de cortar gastos públicos para equilibrar o balanço, corte de despesas correntes, até mesmo no que diz respeito aos salários do setor público.
Quando se pergunta: não será disso que o Banco Central (e sua estrutura técnica) tenta passar para o governo brasileiro, quanto a apontar os gastos da administração, o enxugamento da máquina pública, retorno dos investimentos no mercado brasileiro e substantiva reforma tributária e fiscal?
Para melhor entendimento, quanto ao crédito direcionado, no dizer do próprio presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, ele que usou da conhecida imagem do ingresso meia entrada para cinema, shows e eventos: “A gente pode fazer a análise do cinema que vende a meia-entrada. Se eu vendo muita meia-entrada e quero ter o mesmo lucro, a entrada inteira eu tenho que subir o preço. O crédito funciona um pouco assim”, foi o que explicou.
O cinema foi considerado no século XX pelo teórico e crítico de cinema, Ricciotto Canudo, como a sétima arte. Espetáculo de massa, thriller no qual somos protagonistas em massa econômica e social a ser recuperada, sugestivo título para belíssima atração cinematográfica: “Selic, Ciência e Comprovação em Benefício da Fé”.
Então, assim: “Superação nos dias de hoje, a propósito, com propósito da canção”: “Andar com fé eu vou, que a fé não costuma “faiá” (“Andar com Fé”, Gilberto Gil, 1982)
Luiz Gonzaga Fenelon Negrinho, advogado, escreve aos domingos nesta coluna. (luizgfnegrinho@gmail.com)