19 de junho de 2023
Luiz Gonzaga Fenelon Negrinho
Vira e mexe retomo o caminho de sua leitura. A história é comum e faz sentido. É uma luta que se trava entre a sobrevivência e a realização de um ideal. O sonho e a manutenção da vida e os bens materiais.
O personagem notável é professor de uma pequena cidade do interior paulista. O importante é que a sensibilidade do mestre ultrapassa o limite de uma barra de sabão da esposa que labuta num tanque de roupas para ajudar nas despesas da casa, enquanto o marido sonha sonhos mirabolantes, preso a fantasias que, de fato, não enchem a barriga de ninguém. Daí o nome da obra: “O Feijão e o Sonho”.
O autor é Orígenes Lessa, nascido paulista no começo do século passado, filho de um pastor protestante. Lessa via na literatura, desde pequeno, as marcas indeléveis de sua paixão. De Lençóis, sua terra natal, depois de abandonar o Seminário de Teologia, em 1924, seguiu para o Rio de Janeiro, trajeto retilíneo feito por grandes escritores da época.
Desnecessário dizer que no Rio passou por dificuldades financeiras. Viver da arte é brincadeira; dinheiro que é bom, neca de pitibiribas. Conheceu de perto o fosso indomável da razão e paixão. Literatura por si só é pior que futebol. Enche a barriga de poucos. O filósofo libanês Khalil Gibran (1883-1930) tinha uma ideia sobre isso, que estratifica muito. Dizia o autor de “O Profeta”: “Razão, reinando sozinha, restringe todo impulso; e a paixão, deixada a si, é um fogo que arde até sua própria destruição”.
Em curta existência (viveu apenas 48 anos), Gibran tratou de falar do amor. O também escritor de “Asas Partidas” assentou-se no barco que titubeia entre as águas turvas. E o fez com ardor: “É errado pensar que o amor vem do companheirismo de longo tempo ou do cortejo perseverante. O amor é filho da afinidade espiritual. E a menos que esta afinidade seja criada em um instante, ela não será criada em anos, ou mesmo em gerações”.
Por amar a literatura Orígenes Lessa fez fama depois de muita fome. Chegou a dormir em praça pública e de perto sentiu as agruras de uma prisão, especialmente por ter participado da Revolução Constitucionalista de 1932. Se há males que vêm pra bem, foi em um pequeno cubículo que escreveu uma reportagem com o título “Não Há de Ser Nada”. Mas foi bem significativo o seu trabalho. Com experiências dramáticas seu nome tomou corpo e ficou conhecido e reconhecido como escritor em todo o Brasil. Escritor? Ora, pois.
Sobre isso não posso deixar de citar Carlos Queiroz Telles no seu “Tirando de Letra”. Segundo a própria editora Best Seller, a obra nada mais é do que “Um manual de sobrevivência na selva da comunicação, publicidade, teatro, jornalismo e televisão”.
Bem no início do livro de Telles, uma consagrada pérola, apresentada pelo autor:
– Praxe cartorária, quando o escrivão perguntou sobre o que fazia, eu informei:
— Escritor.
Tempo perdido.
Na escritura saiu: – “Escriturário”.
“Minha profissão é desconhecida no país”.
Livro publicado é livro morto? Nem tanto. Questionou o criador de vários episódios de “Carga Pesada” e “Malu Mulher”, ele que se fez na vida como publicitário, dramaturgo, jornalista, professor e diretor de tevê, tendo nascido e morrido de complicações cardíacas aos 57 anos, em São Paulo. Bom sujeito o Telles.
Não devemos nos esquecer da realidade e jamais nos enveredar nos nevoeiros amargos dos sonhos vazios. Razão, sim, sem perder o tino das emoções aprazíveis, agradáveis. Dito aqui há muito tempo, fazer como os autores Sebastião Wenceslau Borges e Antonio Belchior de Andrade Figueiredo. Primores de pessoas. Ambos me enviaram à época seus frutos literários, de importância e deliciosa valia: os livros “Memoriando” e “Missal”, respectivamente. Li-os com gosto.
O primeiro se fez na vida, honrosamente, como sapateiro e hoje é consagrado escritor de memória prodigiosa. Saudade do amigo Tião Sapateiro. Livro debaixo do braço, a mim autografado. Acervo a ser cultivado. O segundo, atleticano como eu, é talento na medicina. Prestou sucesso no jornalismo e também na literatura. Por que parou? Parou por quê?
‘Memoriando’ professor Darlan Kallas, eterno professor de matemática, faço por utilizar a álgebra do amor maior de que fala Dr. Belchior (Brecha): “2 + x = 3. A equação das equações”.
Segundo o autor, ele que faz elegante referência a mim em sua obra, diz, textualmente: “Trata-se da mais bela e significativa representação matemática da vida, da multiplicação dos seres humanos pelo ato do amor”.
Não importa se há a conjunção e/ou ilusão de felicidade. O escritor na verdade acaba por dividir sua vida, pensamentos, o que sente e sabe com seus leitores. O feijão, então, pode ser uma parede coligada ao sonho. Possibilita até mesmo sonhar acordado. E deixar o sol ensaiar seus primeiros passos. “Quem quiser ser feliz, se ponha a sorrir e cantar uma singela canção quando o sol raiar, sorrir e se pôr”.
E se houver nuvens no horizonte, tanto faz. Bom mesmo é fazer-se feliz. E se a felicidade é um estado de espírito, de elegantes modos, afianço a quem interessar possa: procure estar de bem consigo mesmo e com todos à sua volta. E que a tal de felicidade se achegue de mansinho e se faça presente em nobre missão de paz.
E numa associação de prazer, sentimentos e emoções, em cena o filósofo grego Aristóteles (384 a.C./322 a.C.) para falar algo ligado “ao equilíbrio e harmonia, e à pratica do bem”. Mais ou menos assim: “Quanto mais o ser humano exercitar a virtude, mais virtuoso será”.
Sinceros votos aos que externam pensamentos pela fala e escrita. E o fazem bem. Muita gente boa no pedaço e não tão distante.
Diria a eterna amiga Maria Moura, natural de São João Batista do Glória, de tão boas lembranças: “Que ótimo!”
E era bom de se ouvir em sonhos, bem acordado.
Luiz Gonzaga Fenelon Negrinho, advogado, escreve aos domingos nesta coluna. (luizgfnegrinho@gmail.com)