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Opinião

Luiz Gonzaga Fenelon Negrinho

Sacudidelas tantas

As primeiras ameaças de morte que recebi foi de minha mãe. Era assim: se não chegasse em casa antes das dez da noite me mataria. Chegava meia hora depois, até mais um pouco, sem o uso do pé ante pé, não acontecia nada. No quase sempre prevalecia a compreensão na ordem de que fora pego de conversa com amigos. Tempo passando. E se ficava nisso.

Noutra circunstância de que fui vítima – aí, sim, me vi virtualmente riscado do mapa – morava no bairro Santo Luzia, em Formiga, eu indo pra casa, um empresário correu atrás de mim com sua camionete, parou na porta de casa e me ameaçou de morte com arma de fogo em punho. Isto sim, coisa braba, pesadelo dos piores.
Tremendo que nem vara verde, encontrei ímpeto e coragem para perguntar-lhe o que significava aquilo. Ouvi do brutamonte que era por ter levado sua empresa à justiça.

Naquela ocasião, apesar da delicadeza do acontecimento, não foi penoso dissuadi-lo do pérfido objetivo que era o potencial homicídio “desqualificado”. Nunca trabalhara pra ele, em tese nada a ver com a questão, não era a mim que tinha que demonstrar sua indignação e truculência.

Questionou-me a quem então deveria se render e se indispor, já que tinha pela frente meia dúzia de ações trabalhistas, soma vultosa, cujo nome subscrito nas petições era o meu. Calmamente – rendo graças por isso – respondi que tinha que ver com o Contador, o departamento pessoal, recursos humanos etc. Era com os tais a explicação técnica e organizacional devida. E que tudo se ajeitaria.
Ufa!

Tal qual um búfalo asiático em desabalada carreira entrou no carro. Não entendo de torque e grandeza vetorial de um veículo possante, mas a camionete fez um giro na rua de cima e passou por mim em alta velocidade. Felizmente vida contida, preservada e não abatida.

Pelo menos foi essa a situação mais aflitiva em que me vi diante da morte por motivo incidental. As demais continuo mantendo nos dias de hoje, por honra e glória da vida que levo. Viajar daqui para ali, submetendo-me ao cansaço e às curvas fortuitas da vida, às discrepâncias dos opostos. Não poucas vezes veículos da frente não se dão e se desentendem bem à frente, nas pistas de rolamento.

Não há muito tempo, ajudei uma moça que se perdeu numa reta pouco adiante de Capitólio e capotou o veículo. Longe de perguntar como e por quê, cuidei de ajudá-la ao máximo, já que atordoada com o acidente, custou a deixar o veículo com sangramento na testa. Num frêmito oportuno e necessário, fui ao carro, vali-me de um instrumento e pus-me a cortar galhos, folhas e capins tipo colonião para sinalizar a estrada. Àquela altura, com ajuda de irmãos do asfalto, fizemos a imprescindível sinalização da rodovia.

Não menos do que 30 minutos a Polícia Rodoviária chegou ao local. A primeira foi essa. Um patrulheiro objetou o que eu estava fazendo com um facão à mão. Como? Um facão? A resposta curta e grossa saiu de uma voz firme e impetuosa: “Salvando vidas”.

De fato, cortar galhos à beira da rodovia com as mãos é meio complicado.
Não fosse a interferência de um superior no local – também no atendimento à vítima – talvez outro atentado [não à vida] tivesse acontecido no desprazer da sorte. Não minha, claro. Da vida que clama por lições úteis e primárias. Como a de que não há legislação especifica que proíba um cidadão de bem transportar utensílio de enorme valia no maleiro do carro e que pode ajudar pessoas em variadas situações.

E se fica assim. São as ameaças da sorte. Por eloquência de Gonzaguinha, na singeleza das trapaças e ardor das paixões. É a vida de quem ousa viver e seguir adiante, ainda que debaixo de sacudidelas tantas.
“É a vida, é bonita. E é bonita”.

Luiz Gonzaga Fenelon Negrinho, advogado, escreve aos domingos nesta coluna (luizgfnegrinho@gmail.com).

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