31 de maio de 2023
WASHINGTON L. TOMÉ DE SOUSA
“A natureza tem horror ao vácuo” (Aristóteles)
Princípio universal e implacável, observado e comprovado pela ciência, de aplicação ao mundo natural, onde um espaço deixado ‘vazio’ será, imediata e necessariamente, ocupado por alguma outra força ou substância, estende-se, também, ao mundo das relações humanas.
Quem não exerce a autoridade da qual está revestido, seja ela qual for, por omissão, ou mesmo por delegação contínua, da mais elementar à de mais alto valor, terá o seu espaço ocupado ou usurpado por quem se dispõe a fazê-lo. Fato provado e comprovado.
Em nível de relações familiares, o mesmo se aplica. É comum em muitos lares o marido e pai, quando tem que tomar alguma decisão envolvendo filhos, ao ser indagado por estes, responder: “resolve lá com a sua mãe, é ela quem decide”, raramente, ou nunca, tomando as decisões que lhe competem, nem assumindo as responsabilidades inerentes à sua posição no lar, deixa o pai de exercer a sua autoridade paterna, transferindo-a, muitas vezes, para a mãe.
Daí, não estar longe da verdade a piada de que a última palavra em casa é sempre a do homem, quando diz: “Sim querida, você tem razão”. É claro que não podemos generalizar nem deixar de reconhecer a importância e o lugar da mulher no contexto familiar, mas já é quase que cultural entre nós brasileiros tal comportamento. E, quando isso acontece, a figura do pai passa a ser apenas decorativa, a de um mero expectador da cena cotidiana do lar.
Por ser universal, o princípio acima enunciado se faz presente em todos os níveis de relacionamento e de atividade humana, desde os pessoais, aos empresariais e institucionais… e no mundo animal também não é diferente.
É o que se repete, da mesma forma, em nível de instituições, mormente as colegiadas, onde deveria prevalecer a decisão da maioria, porém, muitas vezes, só se observa o protagonismo de um de seus membros, mesmo sendo aquele que não a preside, como vem se observando na nossa corte suprema, ficando os demais membros a reboque, alguns até constrangidos em assentir com seus arroubos autoritários, mas o fazem (tudo em nome de um hipotético ‘bem maior’).
Ao fim, apequenam-se todos os que não exercem a autoridade da qual estão revestidos, abrindo mão do seu poder de decidir (criando um ‘vácuo de poder’), e acabam se tornando reféns, ou por omissão, ou por conveniência, ou, até mesmo, por pusilanimidade, daquele que ousou ser mais, ocupando o espaço deixado, passando a ser temido até mesmo por aqueles que o alimentaram; – E agora, o que fazer com o ‘monstro’ que criamos? – Coragem, ovelhinhas, coragem! Se não, o lobo as devora.
Luxúria, sexo e poder
Na origem, a palavra, “luxo” vem do latim ‘luxus’, que significa “excesso, extravagância, magnificência”. Daí, o substantivo derivado luxúria guardar íntima relação com o exagero, este, na área da incontinência sexual. Mas permeia tanto o poder (principalmente o político) quanto a religião, guardando íntima relação com ambos, no desejo de serem absolutos sobre tudo e sobre todos, numa espécie de ‘apoteose orgastico-sádica’, tentação constante da alma humana, esta, sim, a ser vigiada de perto.
No filme ‘Sunshine –
O despertar de um século’ (1999), o respeitado cineasta húngaro Istvan Szabó, apresenta-nos, em sua abertura e no fim, após narrar a saga, dramas e paixões de três gerações de uma família de judeus na Hungria, entre ficção e realidade, no conturbado panorama histórico do século XX na Europa, o conselho final dos patriarcas daquela família, em um monólogo imaginário, ao seu descendente mais jovem, último remanescente daquela família, que andava à procura de sua origem, da sua identidade e em busca de seu destino: “Deus nos proíbe de viver na luxúria e no poder”, apelando a uma tradição daquele povo, que já se perdeu nos dias atuais.
Transcrevo, a seguir, o monólogo, encerrando o artigo: “Meu querido filho Ignatz, você agora deixou a segurança da casa em que nasceu, para alcançar o objetivo de sua vida, de se tornar um juiz… você está entrando em um novo mundo, onde certamente terá sucesso, porque você tem conhecimento.
O estudo sempre foi nosso dever religioso como judeus. Nossa exclusão da sociedade nos deu a capacidade de nos adaptar aos outros e de sentir conexões entre coisas que parecem diversas, mas se você sente que tem poder está enganado.
Se acha que tem o direito de se colocar à frente dos outros porque pensa que sabe mais do que eles, está errado. Nunca se deixe levar pelo pecado da presunção, como o maior pecado, fonte de todos os outros pecados. Nunca desista de sua religião. Deus está presente em todas as religiões, mas se sua vida se tornar uma luta por aceitação você sempre será infeliz.
A religião pode não ser perfeita, mas é um barco bem construído que pode se equilibrar e te levar à outra margem. Nossa vida não passa de um barco à deriva na água, equilibrado pela incerteza permanente sobre as pessoas que você julgará. Tudo o que eles fazem é buscar segurança. Há apenas pessoas como nós. Portanto, você não deve julgá-los com base na aparência ou boatos. Não confie em ninguém. Examine todas as coisas sozinho, por você mesmo.
Não se junte ao poder. Desconsidere as posições sociais. Não seja ostensivo em possuir bens e propriedades, que podem ser consumidas pelas circunstâncias adversas da vida, levados pela política. Não empreenda o que você não sabe. Isso causa ansiedade, que te deixa doente. Exercite a disciplina”. (Istvan Szabó)
Saúde e paz a todos!
WASHINGTON L. TOMÉ DE SOUSA, bacharel em Direito, ex-diretor da Justiça do Trabalho em Passos, escreve quinzenalmente às quartas, nesta coluna