11 de maio de 2023
ALBERTO CALIXTO MATTAR FILHO
Há três anos, quando o referido projeto entrou em pauta, cheguei a escrever dois textos a respeito: “Democratas de ocasião” e “Novos focos sobre o malfadado PL das fake news”. Em ambos, já manifestava ideias opostas ao que estava em curso.
Eis que, nos últimos 15 dias, as discussões voltaram à baila na Câmara para aprová-lo em regime de urgência, o que, felizmente, por ora, não se consumou, uma vez retirado de pauta por falta de número suficiente de votos.
Porém, está em trâmite no STF uma ação em que se questiona o Marco Civil da Internet (Lei 12.965/2014), em especial o artigo 19, o que determina que as Big Thecs só devem remover posts após determinação judicial.
Se o parlamento não resolve, vamos esperar que o STF, em outra frente, solucione a questão, este é o pensamento de Orlando Silva, Flávio Dino e demais congressistas apoiadores. Todos desejam regular as plataformas para lhes impor o dever de retirar conteúdos sem necessidade de decisão da Justiça.
Claro que o PL da Câmara, cujo número é 2.630/2020, e a ação no STF contemplam outros aspectos que demandariam muitas análises. Mas pretendo apenas tentar trazer a essência do que está em jogo.
Imaginemos até que o PL e a ação judicial possam nutrir boas intenções, afinal creio que ninguém gostaria de ser enganado por posts falsos ou viver submetido aos crimes virtuais. Contudo, nenhuma das duas medidas trará soluções para tais problemas. Iludem-se os que as desejam.
Teremos, ao contrário, outas controvérsias, inclusive o aumento do uso de processos judiciais para debater a série de posts polêmicos que eventualmente não tenham sido retirados das plataformas. Os questionamentos serão intensos, e os riscos de censura prévia, sem sombra de dúvidas, estarão em cena. Um poço sem fundo.
O melhor combate às Informações falsas, aos discursos de ódio e aos delitos na internet reside nas informações verdadeiras, na credibilidade dos órgãos ou indivíduos que transmitem notícias ou emitem pensamentos, nas campanhas publicitárias de alerta, nos discursos prudentes, na atenção e responsabilidade dos pais pelo conteúdo a que crianças e adolescentes estão expostos e até no incremento dos serviços tecnológicos de inteligência policial.
Tenho, entretanto, procurado observar os argumentos de quem apoia o tal projeto de lei. Continuam não me convencendo.
O mais lastimável é perceber como grande parte dos jornalistas o defendem e ainda rezam, de joelhos, perante qualquer decisão do STF. Talvez o senso crítico e a imparcialidade cedam a interesses econômicos e políticos. Note-se que, na Globo, o apoio é escancarado.
De muito mais valor e inteligência são, por exemplo, as ideias do jornalista Hélio Beltrão, uma das exceções. Ao contrário de tantos, ele defende o direito de quaisquer pessoas dizerem o que pensam, não importa quão falsa, repugnante, vil, abjeta, ilegal e detestável seja a opinião do sujeito.
Reconheço que não são ideias simples. Na verdade, bastante ousadas. Mas Hélio Beltrão está correto. É importante ouvir os pontos de vista maldosos e desprezíveis para que possamos confrontá-los com pensamentos e atitudes melhores. A sabedoria assim se constrói. Sem a imposição de lavagens cerebrais prévias.
Impedir a estupidez generalizada e a má-fé em prol de um utópico bem geral da nação não trará um mundo melhor, apenas vai sufocar a oposição necessária aos disparates − prossegue Hélio.
Além disso – emenda −, poderemos ter algo como gabinetes da verdade de cunho absolutamente autoritário para determinar o que pode ou não ser dito. Convenhamos: um trabalho hercúleo e incerto, pois haveria um cipoal de dúvidas. Os militantes iludidos poderão ser, a qualquer hora, as vítimas da profilaxia discursiva que tanto apregoam.
Há muito ainda a ser dito sobre tema tão complexo, mas não creio que Flávio Dino, Orlando Silva, parte dos congressistas, Dias Toffoli e outros integrantes do STF, além do jornalismo adepto desse PL, transmitam a isenção e a confiabilidade indispensáveis para oferecer saídas da profusão de fake news.
O que exponho não está adstrito a preferências políticas. Estarei, isto sim, sempre em lado adverso a medidas tendentes à restrição da liberdade, embora a liberdade não seja absoluta e imponha consequências a quem extrapole seus limites. Aliás, já existe legislação para a prática de abusos.
Reitero que outros garrotes normativos só tornarão o cenário mais nebuloso, com novos dilemas de ordem penal e constitucional. O remédio será pior do que a doença.
ALBERTO CALIXTO MATTAR FILHO escreve quinzenalmente, às quinas, nesta coluna (mattaralberto@terra.com.br)