27 de abril de 2023
ALBERTO CALIXTO MATTAR FILHO
Um simples passeio pela história é suficiente para perceber que ao homem não é dado viver sem vários conflitos de interesses. As circunstâncias serão outras, mas as disputas por espaço, as guerrilhas de comunicação e os antagonismos malévolos sempre continuarão existindo.
Claro que são questões que demandariam uma bíblia de debates, pontos de vista e propostas de caminhos a seguir diante de tantas contendas. Mas é fundamental observar como grandes pensadores abordaram o tema, não apenas em seus ensaios, mas na própria ficção literária.
Anos atrás, li um pequeno livro de Voltaire, sobre o qual aqui já publiquei também um texto. Trata-se de uma sátira à nossa conduta em que se incluem farpas para todo lado, principalmente para os que ostentam postos de poder e podem decidir os rumos de uma instituição, de um país e até do mundo.
Farei, pois, nos parágrafos abaixo, uma síntese daquele antigo texto, não sem as costumeiras alterações que o tempo impõe ao estilo e às ideias.
François Marie Arouet (Voltaire) nasceu em Paris em 21 de novembro de 1694 e ali morreu em 30 de maio de 1778. Descendente da pequena nobreza europeia, frequentou as melhores universidades, tendo-se destacado como um dos mais influentes pensadores do século XVIII.
Irreverente, viveu o máximo que lhe permitiam as circunstâncias da época. Paixões amorosas não lhe faltaram, mas valorizava, sobretudo, a razão e a justiça. Crítico ferrenho dos costumes, não via nenhum sentido nos vários conflitos bélicos que ocorriam ao seu redor. Afirmava que França, Inglaterra e Espanha disputavam a supremacia mundial, com o absurdo sacrifício de milhares de vidas. Na “Europa das dinastias”, exércitos morriam para “disputar alguns acres de neve no Canadá”, como viria a escrever.
O reconhecimento de sua obra filosófica e literária, sob o pseudônimo de Voltaire, com o qual assinava os trabalhos e cuja origem jamais explicou, rendeu-lhe grande popularidade e fortuna, o que o fez se tornar conselheiro de muitos monarcas. Mesmo com a proteção que adquirira, ainda chegou a experimentar algum tempo de prisão por seus ataques mordazes aos detentores do poder na França, em virtude do conservadorismo que por lá acontecia em tempos anteriores à Revolução.
O fato é que o parlamento francês daquele momento era mero apêndice submisso ao poder monárquico e, por isso, condenava à fogueira livros contrários à religião, à moral e ao respeito pelas autoridades. Aos escritores que ousassem sobrava o cárcere.
Foi um período de muita repressão e estupidez, que começou a ser combatido, na segunda metade do século XVIII, pelo movimento filosófico denominado Iluminismo, que se caracterizava pela confiança na razão e no desafio aos autoritarismos monárquico e eclesiástico. Voltaire, ao lado de outros, foi um dos grandes representantes desse movimento.
Em pequenas histórias, que escrevia para divertir as plateias que o assediavam e a fim de dar vazão ao ceticismo por causa de tantas guerras, ele observava que, se não fosse possível rir, todo homem inteligente acabaria se enforcando. Sim, é sempre tão alto o espectro de barbaridades, bizarrices, hipocrisias e ignorâncias à nossa volta, que o riso se torna uma boa válvula de escape.
Acabo de ler sua obra “Cândido ou o otimismo”, uma curta história em cujo enredo temos uma espécie de sátira às mazelas do mundo, sobretudo a seus governantes nas desmedidas batalhas pelo poder. Guerras, egoísmo, ganância, traição e sofrimentos são narrados com boa dose de humor. O texto não nos entristece, apenas enfoca os absurdos que sempre acompanharam a trajetória do homem.
Segundo os críticos, um conto filosófico.
Cândido é um jovem educado por um Barão que lhe ensinara que vivíamos sob os augúrios de uma realidade em que tudo era positivo, um universo em que a felicidade jorrava aos montes para todos. Tudo era belo e fácil.
Um dia, no entanto, por contrariar alguns ensinamentos daquele mestre que lhe dava lições e acolhida em seu maravilhoso castelo, acaba expulso de lá juntamente com um amigo, e passa a correr o mundo, quando então começam a lhe ocorrer os mais terríveis infortúnios que jogam por terra as ideias que lhe foram transmitidas.
Apenas para mencionar os piores, risco de vida e roubo foram alguns dos problemas que mais enfrentou ao deparar, em quaisquer lugares, com criminosos, dentre corruptos, falsários, aproveitadores e líderes déspotas e assassinos de todos os tipos e culturas. O idealismo da vida maravilhosa vem de encontro a uma drástica realidade
Consideradas as diferenças de panorama histórico, pode-se dizer que estamos diante de situações ainda hoje bastante comuns, não?
A mensagem final da obra parece aberta a interpretações, mas talvez seja a mais óbvia que nos resta. Cansados de tantas desventuras, Cândido e alguns amigos filosofam sobre os prazeres que ainda obtinham em viver, apesar de todos os revezes.
E simplesmente concluem que tudo pode valer a pena, desde que nossos atos estejam nos trilhos da ética, da busca da verdade e dos limites da lei. Sem adesão a fanatismos, ambições excessivas e ilusões utópicas.
A supremacia do equilíbrio perante tantas ideias tolas e bárbaras foi o caminho de Cândido.
ALBERTO CALIXTO MATTAR FILHO escreve quinzenalmente, às quintas, nesta coluna (mattaralberto@terra.com.br)