Opinião

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22 de abril de 2023

ALEXANDRE MARINO

No país das utopias

O Brasil é um dos países mais desiguais do mundo, e enquanto essa condição persistir é inútil se pensar em desenvolvimento. Cerca de 30% da renda total do país está nas mãos de 1% da parcela mais rica da população, que possui mais riqueza acumulada que os 90% mais pobres.

Esses números escandalosos podem ser percebidos sem muito esforço, basta observar os seres humanos que circulam pelas ruas das cidades ou as diferenças entre os bairros, as moradias, o comércio, as escolas, os meios de transporte, os estilos de vida.

Desenvolvimento é uma palavra traiçoeira. O que caracteriza o desenvolvimento? Já ouvi frases como “o trânsito caótico é o preço que se paga pelo desenvolvimento de uma cidade”. Pode-se trocar a expressão “trânsito caótico” por “violência”, “favelização”, ou várias outras na mesma linha.

É claro que, nessa frase, seria melhor substituir “desenvolvimento” pela expressão “crescimento desordenado”, ou seja, expansão acompanhada de desordem. É assim o desenvolvimento que as elites nacionais querem impor, a todo custo, ao país.

Para haver desenvolvimento de fato, é preciso antes reduzir as desigualdades. No caso brasileiro, reduzir muito, de forma que toda a população tenha oportunidades semelhantes para obter qualidade de vida, o que significa educação e um bom sistema de saúde para todos, além de trabalho, alimentação e lazer.

Mas qualquer medida concreta que se tente tomar para reverter as injustiças econômicas despertam imediata reação dos poderosos. É o caso, por exemplo das tentativas de taxar as grandes fortunas ou as seguidas propostas de reforma agrária, sempre esvaziadas.

O ministro da Economia do governo findo no último dia do ano passado, Paulo Guedes, de triste memória, costumava dizer, referindo-se ao agronegócio, que o Brasil “é o celeiro do mundo”. Que celeiro, cara-pálida? Uma pesquisa realizada pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Penssan) durante seis meses e divulgada em julho do ano passado apurou que 33 milhões de brasileiros sofriam de insegurança alimentar grave, ou seja, passavam fome. Não há sinais de que esses números tenham melhorado.

O agronegócio, que não produz alimentos, e sim commodities (produtos que funcionam como matéria-prima), avança sobre as áreas de agricultura familiar, que é onde de fato se produz alimento no campo. Soja e bovinos tiveram a maior porção de financiamento do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) nos últimos anos, enquanto arroz e feijão tiveram valores irrisórios. O preço dos alimentos sobe e a mecanização das grandes fazendas do agro expulsa os trabalhadores do campo.

Metade das áreas cultiváveis do Brasil está nas mãos de 1% dos proprietários de terra. A desigualdade social que salta aos olhos nas cidades também ocorre no campo, de onde saem produtos para exportação, que vão tornar cada vez mais ricos os proprietários da terra que deveria estar produzindo alimentos para os brasileiros. A questão é que quando se fala de capitalismo no campo não se fala mais de alimentação. A exploração predatória da terra pelas máquinas do garimpo ou pelas máquinas do agronegócio é equivalente.

O Brasil tem enormes extensões de terras férteis, natureza exuberante, e um espírito predador arraigado na alma de cada brasileiro (com as devidas exceções, é claro). Os europeus começaram a saquear o país muito antes de lhe darem o nome da árvore que levaram à extinção.

Daqui pilharam madeira, frutos, animais, ouro e outros minerais e deram início ao esgotamento da terra. As mineradoras que exploram Minas Gerais e todos os cantos onde houver sinais de minério prosseguem o trabalho de destruir não só a terra, mas também a água, elemento usado na exploração e até no transporte pelos minerodutos.

A Amazônia é a nova vítima, não só das mineradoras: a Petrobrás, empresa do próprio Estado, pretende caçar petróleo em áreas de enorme fragilidade ambiental. Tudo em nome dos lucros altíssimos para as empresas e seus sócios, da produção de commodities, do mercado financeiro. Justiça social? Ora, tenham a paciência.

Viabilizar uma nação como o Brasil é buscar um outro paradigma civilizatório. De nada adianta trazer da China, da Europa ou de Marte empresas que venham explorar, e esgotar, nossas riquezas. Só entraremos no eixo do desenvolvimento quando unirmos justiça social, proteção ambiental e equilíbrio entre todas as formas de vida, na busca do bem comum (e não de uns poucos), em ambiente solidário, inclusivo e igualitário. Talvez seja uma projeção para muitos séculos à frente. Mas o futuro só chega se caminharmos em sua direção. Estou tratando de utopias? Claro que sim. É para isso que servem as conexões cerebrais.

ALEXANDRE MARINO, escritor e jornalista em Brasília/DF, escreve quinzenalmente às sextas nesta coluna