13 de abril de 2023
ALBERTO CALIXTO MATTAR FILHO
Há anos, li um livro a respeito de Shopenhauer, “A arte de escrever”. São ensaios retirados de uma de suas outras obras. Nos textos selecionados, ele dispara contra os supostos intelectuais e faz menções aos atos de pensar e escrever, com detalhes sobre a linguagem, o estilo, a leitura, os livros e o autêntico conhecimento.
Gostei tanto do conteúdo, que cheguei a publicar, nesta coluna, um texto enaltecendo a atualidade daqueles ensaios, que depois incluí em meu livro em 2017. Trata-se de pensamentos sempre válidos para qualquer tempo.
Embora escritos na primeira metade do século XIX para criticar certos núcleos da cultura alemã e retratar os vícios dos modismos, a hipocrisia e a arrogância de pseudointelectuais da época, todos são muito contemporâneos, haja vista a luta por destaque e sucesso a qualquer custo que já se tornou frequente a nosso redor.
De fato, sempre houve muitas mediocridades que se imaginam bem superiores ao que realmente o são. E mais ainda neste predominante universo das comunicações tecnológicas. Há excessivo barulho em muitas vozes que carecem de real valor.
O filósofo alemão Artur Shopenhauer, cuja existência sempre estivera fora dos padrões comuns, legou rica obra filosófica a respeito de conceitos essenciais, inclusive vida e morte. Nascido em uma pequena cidade da antiga Prússia em 1788 − que hoje pertence à Polônia −, morre em Frankfurt, em 1860. Seus pensamentos influenciaram Freud, Nietzche e escritores do porte de Thomas Mann.
Por certo, maiores conhecimentos sobre ele devem ficar a cargo de estudos mais profundos, porém, no que se refere a Freud, o legado está em aspectos como desejo, vontade, libido. Em suma, na força do desejo sexual como mola propulsora da vida em quaisquer situações.
Claro que conhecer um pouco de sua filosofia não significa concordar com tudo que ele escreveu, mas não deixa de ter boa importância para estimular o senso crítico, principalmente em um mundo cheio de gurus do comportamento humano que vendem fórmulas de sucesso e bem-estar para as angústias corriqueiras a que estamos sujeitos.
Pois em uma dessas releituras, percorri os olhos pelas 327 páginas de “A cura de Shopenhauer”, do psiquiatra e escritor norte-americano Irvin. D. Yalom, que hoje está com 91 anos. O mesmo autor de “Quando Nietzchce chorou”, que também li há anos e sobre o qual já escrevi. Yalom procura associar, em algumas obras, a psicanálise e a filosofia sob o molde de ficções literárias.
Em “A cura de Shopenhauer”, Julius, um dos protagonistas, é o terapeuta que lidera um grupo de pacientes que se reúne periodicamente para abordarem os problemas emocionais que os afligem. O romance se constitui nas trocas de experiências entre os participantes.
Já o outro protagonista, Philip, um especialista na filosofia de Shopenhauer, passa a integrar o grupo, mas se identificara de tal modo com o filósofo que procura romper as próprias angústias por meio do que havia assimilado em seus estudos, daí o título da obra. Philip almeja e propõe a todos a cura pelos métodos da filosofia de Shopenhauer.
O livro vem em forma de capítulos que se revezam entre as reuniões dos pacientes, em que todos vão expondo seus traumas existenciais, e os referentes ao transcurso de vida do próprio Arthur Shopenhauer, desde as relações problemáticas que manteve com a mãe, até os aspectos referentes à sua condição de escritor de obras filosóficas.
Na verdade, o mais importante são os capítulos sobre Shopenhauer, que, funcionam como uma base a tudo que acontece nos encontros do grupo, pois trazem detalhes fundamentais como as autorreflexões, a árdua noção da realidade e os efeitos do pessimismo e da misantropia que o incomodavam.
Dotado de muito conhecimento, ele nutria plena consciência de sua capacidade de transmitir ao mundo o que pensava sobre as relações humanas, e isso lhe rendia instantes de enormes frustrações, por não sentir, naquelas décadas, o reconhecimento que julgava merecer, o que só veio após sua morte.
Ao utilizar a estética de um romance, com personagens e circunstâncias típicos da imaginação, o autor Irvin D. Yalom abre as portas para que conheçamos um pouco mais desse grande filósofo.
Aos humanos sempre coube, além de simplesmente viver os fluxos da vida nos momentos de prazer e dor, realizações e frustrações, pensar sobre tudo que ocorre diante de nós. Eis o que nos difere dos seres irracionais. Vivemos, mas precisamos refletir sobre a vida.
Foi o que fez Shopenhauer. Impiedoso, áspero, mas brilhante, experimentou tudo que pôde, enquanto tentava, ao mesmo tempo, elucidar a existência nos inevitáveis círculos da vida, da morte, das esperanças e dos sofrimentos.
Lê-lo é um grande alcance e pode estimular a busca por outros integrantes do excepcional universo da filosofia.
ALBERTO CALIXTO MATTAR FILHO escreve quinzenalmente, às quintas, nesta coluna (mattaralberto@terra.com.br)