26 de janeiro de 2024
O dendrólatra
Eu confesso: sou dendrólatra. Mas não nasci assim. Na minha infância, as árvores eram apenas árvores. Especialmente a mangueira e a jabuticabeira do quintal, enormes, que forneciam frutas deliciosas para meu paladar encantado. Depois fui tomado aos poucos de uma certa atração, que cresceu ao longo da vida, enquanto amadurecia meu olhar para o mundo e, devo dizer, minha capacidade de compreender as pessoas. E o que as pessoas têm a ver com isso, alguém poderia perguntar. Ora, quem mais, a não ser as pessoas, poderia fazer minha dendrolatria se intensificar a ponto de tornar-se um fascínio, uma paixão, como se as árvores dependessem de mim para se defender dessa criatura que inventou o machado e a motosserra?
Observe uma árvore: Em sua aparente imobilidade, ela exerce um doce domínio do território. Parece em permanente estado de meditação. Generosas, as árvores dão sombra, abrigo, purificam o ar, transmitem paz a quem se dispuser a dirigir-lhes o olhar. Para quem tiver sensibilidade, oferecem a beleza das flores, das formas, das cores. São entidades dotadas de uma energia espiritual capaz de emanar bons fluidos sobre quem se dispuser a recebê-los. Por isso, é bom abraçar uma árvore de vez em quando.
O planeta em que vivemos – e não há outro para onde fugir – está repleto de vida. Não somos criaturas solitárias no deserto. Há milhares, milhões de seres que dividem conosco a mesma casa. Todos dependemos uns dos outros, nesse mundo em permanente agitação. Em sua estrutura física, as árvores acolhem pássaros, que nelas constroem seus ninhos e criam seus filhotes, oferecem néctar para as abelhas, abrigam animais como micos ou saruês, alojam bromélias, orquídeas, samambaias, cipós e outros vegetais que delas necessitem. Quando ainda na primeira infância, fungos e bactérias interagem com suas raízes, e desde então inúmeros micro-organismos usufruem de seus troncos, caules e folhas. Essa população de seres faz a vida vibrar entre seus galhos, enquanto ela suga a água do solo e a devolve ao ar, umidificando-o, amenizando o calor e reduzindo a poluição. Uma árvore solitária nos protege do sol; muitas árvores juntas multiplicam seus benefícios a todos nós, que dividimos espaço no planeta e somos guardados por elas.
As árvores simbolizam o silêncio, mas não nos enganemos. Elas falam. E falam com tal contundência que acalmam nossos circuitos cerebrais para que possamos ouvi-las. Sob uma árvore frondosa, basta abrir o coração para sentir esse efeito e dialogar com elas. Dessa experiência com certeza saímos mais sábios.
Quando vou a Passos, reservo um pedaço de meu dia para fazer uma visita a uma árvore que desde a infância me fascina. Trata-se da imensa copaíba (Copaifera langsdorffii) conhecida como Árvore de Santa Bárbara, tombada pelo Patrimônio Cultural do município. É testemunha viva dos 175 anos de história da cidade, que nasceu e cresceu ao seu redor. Outra árvore impressionante que conheci foi um cedro do Líbano (Cedrus libani), plantado em 1804 na cidade de Tours, na França. Tem 31 metros de altura e seus galhos se estendem sobre uma superfície de 800 metros quadrados. A circunferência do tronco a um metro do solo é de 7,5 metros.
Não conheço as sequoias gigantes dos Estados Unidos, nem a oliveira mais antiga do mundo, que tem entre 3 mil e 5 mil anos e se localiza na ilha grega de Creta, ainda produzindo azeitonas; nem mesmo o maior cajueiro do mundo, atração turística da praia de Pirangi, no Rio Grande do Norte. Mas estou convicto de que conhecer uma dessas árvores é uma experiência de vida, da mesma forma que se entregar à contemplação de uma araucária (Araucaria angustifolia), árvore que pode atingir até 50 metros de altura e viver 700 anos. Está na Lista Oficial de Espécies da Flora Brasileira Ameaçadas de Extinção, publicada pelo Ministério do Meio Ambiente, mas resiste bravamente nas matas da Serra da Mantiqueira e do Sul do país, onde vive em altitudes acima de 500 metros.
As árvores simbolizam também o impasse vivido pela humanidade: a Natureza atingiu o ponto de exaustão e já não suporta mais ser explorada como se seus recursos não tivessem fim. A derrubada de uma árvore ainda não foi declarada crime de lesa-humanidade, mas já deveria ter sido. Em dois séculos, os brasileiros destruíram quase 90% da Mata Atlântica, que originalmente ocupava uma área de 150 milhões de hectares e 17 estados. O registro fotográfico mais antigo dessa exuberância é de um jequitibá-rosa (Cariniana legalis) com diâmetro de 6,2 metros, que existia no interior de São Paulo, provavelmente na região de Campinas. Inúmeras árvores como essa foram derrubadas sem constrangimento, numa época em que não se mediam as consequências da destruição.
Para muita gente, a árvore ainda representa um estorvo e sua existência é apenas tolerada, até que o incômodo a leve a ser eliminada. O mundo inteiro já está pagando essa conta, e ela vai subir. O Brasil poderia virar esse jogo, pois ainda tem biomas em condições de recuperação. E, ironia das ironias, o Brasil é o único país do mundo que tem nome de árvore. Ainda que essa árvore, o pau-brasil, tenha sido saqueada até a extinção pelos invasores portugueses.