18 de dezembro de 2023
Luiz Gonzaga Fenelon Negrinho
De repente, o grande amor. Foi na esquina da rua de casa. Nenhum “grande amor” maior que os outros, desses cantados amiúde em verso e prosa por músicos e poetas. Nada disso. Mas um grande amor, o meu grande amor. Revigorante fragrância da paixão; sensação gostosa no peito; ardência doce e terna na alma…
Diria Tia Mariinha – ciosamente de mim cuidou quando atacado de mancha no pulmão: “Para o universo de um ‘meninão crescido’, bastava. Na proporção métrica, a explicação da sabedoria popular em forma de canção. E me punha a cantar doidamente, de um lado a outro, cantigas nunca antes cantadas.
Quando jovem, pessoas maduras diziam que na vida só há espaço e vez para um único grande amor. Os demais são firulas, apenas fogo de palha. Pegam rapidinho e apagam mais rapidinho ainda.
Não sei ao certo, meu grande amor veio do nada. ‘Do nada’ mesmo, força de expressão.
No explicativo, sem a intercessão de santo casamenteiro, o Santo Antônio. E nada de flechada de cupido como se vê em filmes e na abstração de sonhos e quimeras. Como de resto, nada de simpatias, leis da atração, entre outras coisas. Simplesmente aconteceu. Endereço certo, pessoa certa, sem notificação oficial ou extraoficial de carteiro. E nenhuma interveniência por parte de ninguém.
Certa feita, uma canção tocava fundo e falava de um carteiro: o Mr. Postman. Alude a um single regravado pelos irmãos Carpenters, Karen e Richard (“Please, Mr. Postman, 1974”). Em inglês, Mr. Postman é “Senhor Carteiro”. O que entrega correspondência, inclusive cartas de amor. Com o avanço e expansão da tecnologia, perdeu-se no tempo. Está démodé. Quando, nessa altura do campeonato, me vejo brega e ultrapassado.
Diferente de hoje, nos anos dourados, muitos se rendiam a aguardar o carteiro na esperança de encontrar o grande amor. ‘Mr. Postman’ surgia na porta das casas – diz a letra da canção – logo perguntavam se havia alguma carta na sacola. O que, evidentemente, implicava angústia da espera e probabilidade de localizar. Pediam que mexesse e remexesse, bem no fundo. Era pra ver se havia alguma carta em meio a outras. O roer de unhas da ansiedade, o frisson da expectativa, para, ao final do quase sempre nada.
Comigo foi diferente. Não precisei usar de nenhum artifício. Nada de carteiro, relacionamento de rebote, nenhum fascínio, menos ainda o conhecido meio de campo a preço de algum. Tudo muito natural. Dizer que algo não foi feito uma inverdade. Saí de casa com o propósito de comprar pão na padaria. Até aí nada demais. Quase todo mundo compra pão. À luz de experiência, sagrados pães à mesa da partilha.
Só que ao pegar o pão, ao depois um litro de leite, a balconista dirigiu-me um olhar tão macio e doce, quase me cortou ao meio. Que bobagem. Também não, né. Jamais há de passar na cabeça essa de olhar macio cortar alguém em dois. Menos. Em decorrência externei o popular olhar 43. Ah, não deu outra… Lembrei-me de Zé das Pronúncias, da Rádio Passos: “Satisfação garantida!”. Em meio a caudalosos rios de esperança. O que se deu, à luz do fascínio.
De lá para cá, só felicidade. Um cineminha aqui, umas voltas na pracinha ali, namoro num banco debaixo de um ipê que se sustenta rosa. Por último, o convite para conhecer o pai, a mãe, a família. Agora já falando em noivado. Já pensou? Imagine só. Não demora, os doces.
E por conta de quê? Um olhar festivo emanado de uma moçoila, e outro não tão diferente, festivamente correspondido, brotado de lavas vivas de outrora, conhecido por “olhar 43”. No jogo da sedução, se olha com os olhos semicerrados, foco do enfoque a paixão fulminante, pura interferência do acaso. E só. Não mais que isso.
Num adeus solidão, lembrando Carmem Silva em sucesso que remonta à 1969, “agora sou feliz e tenho alguém para amar”. Mas quem disse, por igual, deixo de ser um incorrigível “amante à moda antiga”, desses que ainda mandam flores? Porque Rei Roberto também entra nessa, com o sucesso de 1980. Estilo tão antigo quanto o amor na estrita observância dos princípios, a dica triunfal de William Shakespeare: “Lutar pelo amor é bom, mas alcançá-lo sem luta é melhor”.
Será? Não sei. Legal é. Amor circunstancial, e por acaso, desprovido de cuidados, não seria um tanto perigoso? E se aliarmos a tese do amor relâmpago à fé? Por Tiago, “a fé sem obras é morta. (Tg 2,17)
LUIZ GONZAGA FENELON NEGRINHO, advogado, escreve aos domingos nesta coluna. (luizgfnegrinho@gmail.com)