ALBERTO CALIXTO MATTAR FILHO
Lembrança sobre “Fausto”, de Goethe
A atual leitura de “Dr. Fausto”, de Thomas Mann, me remete a pensar no grande clássico “Fausto”, do também alemão Goethe, escrito mais de um século antes. Ler Thomas Mann, além do prazer por enredos e personagens tão densos, também nos conduz a refletir sobre épocas da história e as razões mais profundas que fazem o homem agir de um modo ou outro em qualquer tempo e lugar.
Thomas Mann parece desejar nossas vísceras, possuir nossa alma. Como excepcional escritor que é, almeja expor quem penetra suas páginas ao máximo de compreensão dos eternos dilemas entre a vida e a morte, o bem e o mal, a ciência e o espírito, a arte e a vida comum. Como expressei recentemente, ele é um mestre dos antagonismos.
“Dr. Fausto”, em cujas 609 páginas ainda vou longe, me remete a pensar, pois, em “Fausto”, que li há quase dois anos, e sobre o qual aqui publiquei um texto, que também inseri na segunda edição do meu livro. O romance de Thomas Mann é uma releitura do de Goethe.
Muito poderia ser dito, mas creio que o que já escrevi se torna suficiente para elucidar o essencial sobre esse personagem tão marcante. Fausto representa toda a simbologia das cizânias que sempre nos atingem. De fato, estamos sujeitos à dubiedade.
Eis, portanto, uma síntese daquele texto, nos parágrafos a seguir.
Quem percorre os caminhos da literatura, mesmo sem ser um expert na área, por certo já ouviu algum comentário sobre “Fausto”, este grande personagem que dá nome à obra de Goethe, escrita na segunda metade do século XVIII. Sabe-se, no entanto, que ele realmente existiu.
Segundo dados expostos pelo crítico Otto Maria Carpeaux, Fausto foi, ao mesmo tempo, um misto de cientista e astrólogo que, nos anos do Renascimento, viveu na Alemanha − século XVI. Seria a simbiose de homem sério e charlatão que transitava pelas círculos intelectuais, porém com adesões às correntes do misticismo.
Por esses dias, finalmente li a obra, que consiste em um dos maiores clássicos da literatura porque transcende aos séculos. Não é de leitura fácil, já que fora escrita, sob diálogos dramáticos, ao molde de versos até aptos para a encenação em palco. Para Otto Maria Carpeaux, um “poema dramático”, ou um “drama filosófico”.
De qualquer modo, apesar das dificuldades na leitura, creio que haja uma mensagem central no enredo e que talvez seja de simples compreensão: os dilemas entre espiritualidade e realidade. Em termos próximos, os choques entre êxtase religioso e desejos eróticos, realização mística e prazeres carnais, a aridez da fé e as satisfações efêmeras, imediatas.
Não é preciso ler “Fausto” para que nos vejamos, em não poucas ocasiões, diante de paradoxos dessa natureza. Provável que estejam ao nosso redor ou em nosso íntimo, e o envolvimento com a obra nos remete a refletir sobre tais conflitos.
No texto de Goethe, Fausto é um homem em busca do pleno conhecimento dos enigmas do universo, inclusive os mistérios da criação. Em suas meditações, ele quer conhecer, quer a luz, almeja a aproximação de Deus, porém, quanto mais se aprofunda nos estudos de campos diversos, inclusive os da teologia, mais ainda lhe surgem as angústias das dúvidas e, em contrapartida, os impulsos dos desejos do corpo.
Ao se frustrar por não obter as soluções para as controvérsias que lhe preenchem o pensamento, ele se torna então um sujeito vulnerável e cujo alívio reside na procura de um grande amor.
É neste momento que surge Mefistóteles, o diabo, que, matreiro, vai lhe apresentar, até com a anuência de Deus, não o sonho do amor romântico, mas os prazeres da vida comum, as sensações terrenas, as festas, o descompromisso, o sexo, as paixões fugazes. A alma de Fausto descamba para um jogo entre Deus e o diabo.
Surgem, assim, os diferentes episódios. Além dos questionamentos que sempre faz a si próprio quanto a seu real caminho, Fausto acaba por viver uma paixão incontrolável por Margarida, o que se transforma quase que em capítulo à parte, uma vez consideradas as terríveis consequências da relação entre ambos.
A obra não é longa. São apenas 214 páginas que se alternam entre os monólogos filosóficos que continua realizando e os empecilhos do amor que sentia por Margarida, tudo em torno da maliciosa presença de Mefistóteles, que fica de olho em seus atos para lançá-lo em um labirinto de situações embaraçosas.
Não se esperem respostas para os dilemas de Fausto. Cabe ao leitor ir refletindo conjuntamente, em todas as situações, ao perceber as angústias que ele vivencia. Goethe o utiliza para nos induzir a pensar, e o drama termina também aberto a interpretações.
Eis os motivos de ser obra tão rica. Nos antagonismos de um personagem que possui lugar de relevo na literatura, temos toda uma simbologia dos vários antagonismos do homem em quaisquer momentos da história, ainda que ao sabor dos valores de épocas distintas.
“…verás, nestes dias, tudo que minha arte pode proporcionar de prazer…” (Mefistóteles a Fausto)
ALBERTO CALIXTO MATTAR FILHO escreve quinzenalmente, às quintas, nesta coluna (mattaralberto@terra.com.br)