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Opinião

Luiz Gonzaga Fenelon Negrinho

Cerimonial beijo

Dia desses, num encontro entre colegas da advocacia, vi-me pego no contrapé. Não escondo de ninguém, apesar do que possam pensar, imaginar e dizer, sou insuportavelmente introvertido.
Ao ser apresentado a uma senhorita de bons modos, quando do cumprimento, ela estendeu-me o rosto para o que chamam de beijinho de etiqueta, para muitos, costumeiro gesto de caráter social. Beijinho solene apenas.

Sem jeito para a coisa, na hora esquivei-me, após o que estendi informalmente a mão direita, numa simples e singela saudação. A bem da verdade, fique claro, nem um pouco demonstrando falta de cortesia.
Se apóstolo Paulo em suas epístolas ensina seus seguidores para o ato do beijo, e na boca, meu Deus, com certeza porque não tinha por mira a cara feia e o muque de que se valem certos pais, irmãos, namorados, maridos e companheiros afins em tais situações.

Independentemente de ser um, dois ou três beijos [para casar], melhor é o comando sentencial do imprescindível e necessário rigor de cuidado. É o que passo adiante. E vale tanto ou mais para os xeretas e aproveitadores de ocasião.
De minha parte, até que sou adepto do selo da paz pelo sacrifício do ato. Mesmo porque, não raro, somos levados a fazer coisas pela lei do mínimo esforço e pelo mal menor, desde que pelo bem e para o bem, é claro. Sem riscos à vista.

E reflitamos, pelo monitoramento da concórdia. E o ato de beijar no rosto, nos velhos tempos e bem antes de Cristo, era uma forma de firmar acordos e solidificar a paz. Mas foram em outros e velhos tempos. Essa de roçar as bochechas de mulheres alheias, sei não, pode ser estupidamente perigoso e pelo bem da Pátria se há de preservar os dentes. Devagar com o andor!

Como reza a lenda, e envolve o estereótipo da figura medonha de uma feiticeira, de lembrar-se que um beijo na bochecha simboliza saudação; dois, saúde; e três beijos para casar, na evidência de que os derradeiros beijos, pelo ritual e por evidência, são destinados às mulheres solteiras.

Como sinal de saudação entre os povos, o beijo varia de região para região, de país para país, de cultura para cultura. Na obediência e ordem do respeito, de certa maneira inapelavelmente saias justas podem acontecer. Como nesse episódio que acabo de relatar. A moçoila sentiu-se deslocada no tempo e lugar.

E não se fazendo de rogada, fez também valer sua indignação de forma pouco apreciável e não menos bizarra. No inesperado, saiu com essa:

– “Então o senhor acha que sou uma qualquer, uma mulher oferecida?”.
No instantâneo, respondi:

– “Pelo contrário. O fato de afastar-me do beijo no rosto nada tem a ver com isso. Perdoe se fiz algo ofensivo. Não foi por mal”.
Fiz-lhe ver que sou assim e não consigo mudar o meu modo de ser e agir. Expressamente tímido e pouco afeito a essas coisas.
O pior de tudo, nessa ocasião, foi o que ouvi por derradeiro:

– “Quer saber, o senhor se acha o bonzão, o rei da cocada, mas, na verdade não passa de um desavergonhado!”.
Fui às alturas. Eu?! Bonzão, desavergonhado, rei da cocada? Jesus toma conta! Não me lembro de assistência e plateia no episódio. Sei, isto sim, depois dessa fui pra casa sem jeito, queijo, rapadura, goiabada, e sem o tradicional beijo na bochecha, segundo a própria senhorita, na desonra por falta cometida.

Falta cometida ou manifesta falta gravosa evitada?
Não sei ao certo aonde vamos parar com essa de beijar sem saber no que vai dar!
Se bem que, melhor avaliando, o que me custava um roçar de bochecha numa simples saudação?

Luiz Gonzaga Fenelon Negrinho, advogado, escreve aos domingos besta coluna. (Luizgfnegrinho@gmail.com) 

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