ALEXANDRE MARINO
A anos-luz daqui
Minha mãe costumava dizer que eu vivia no mundo da lua. De fato, a lua sempre me encantou, apesar de sua personalidade volúvel e bipolar… às vezes está cheia de si, depois cai num vazio imenso. De acordo com o senso de humor, aparece mais tarde ou mais cedo, ou se esconde por trás das nuvens.
Quando se ilumina inteira, gosto de vê-la surgir no horizonte, ou se recolher no fim do dia. Apesar de tudo, gosto de ver além do mundo da lua. Afinal, se nossa lua é bela, imaginem o céu de Júpiter, que tem 92 luas!
Em setembro do ano passado, Júpiter chegou a apenas 590 milhões de quilômetros da Terra, a menor distância em 60 anos.
Em dezembro, Saturno, com seus belos e misteriosos anéis, também atingiu um ponto próximo da Terra, a 1,2 bilhão de quilômetros. A sonda Cassini, da agência espacial norte-americana Nasa, que orbita ao redor de Saturno desde 2004, enviou em julho uma foto da Terra feita de lá.
Apenas um pequeno ponto brilhante no céu noturno, entre tantos pontos brilhantes no Cosmo, visíveis ou invisíveis, absolutamente desimportantes. Visto de perto, desmascara nossa miséria, nossa desarmonia, nossas guerras, nossas armas, e até nossas bombas atômicas, prontas para retalhar o planeta e transformá-lo em milhares de corpos rochosos à deriva no universo.
Assim é a humanidade, que segundo a Bíblia é imagem e semelhança de Deus… Lembro-me daquela frase atribuída ao escritor português José Saramago: “A humanidade fracassou como espécie.” Embora eu nunca tenha conseguido comprovar a autoria, não tenho como discordar.
Somos frágeis micróbios a vagar na superfície do mais belo planeta que já vimos em todo o Universo, mas nossa vida é limitada por necessidades básicas. Precisamos de oxigênio, carbono, água, luz, alimento e uma faixa de temperatura muito curta. Há aqui mesmo na Terra criaturas com capacidade de resistência muito maior que a nossa.
Pássaros ignoram a lei da gravidade, mas nós, humanos, estamos presos ao chão, a não ser quando entramos em geringonças tecnológicas que nos dão a impressão de voar, mas sempre morrendo de medo de que algo dê errado e nos espatifemos no solo.
A tecnologia também nos permite ver coisas nos confins do Universo, fora do alcance de nossos olhos, mas tudo muito próximo da fantasia, que faz fronteira com a ciência e vice-versa. Eu, que sou chegado ao mundo da lua, gosto de fantasias e é com esse olhar que faço minha leitura leiga das descobertas da ciência.
Há poucos anos, cientistas encontraram na constelação de Aquarius uma estrela, que chamaram de Trapista, a conduzir em sua órbita sete planetas de características próximas às da Terra. Essa estrela fica a “apenas” 40 anos-luz de nós. Como a luz se move a 1,08 bilhão de quilômetros por hora, basta calcular a distância que percorre em um ano e depois multiplicar por quarenta, e saberemos a distância da estrela.
De lá até um de seus planetas será um pulo, e teremos, talvez, um bom lugar para viver, com as inevitáveis limitações, depois que nossa tecnologia e mau humor destruírem este planetinha tão sofrido.
A tecnologia é tão restrita quanto nossos corpos. Não somos capazes de enviar sondas a outros sistemas solares, a outras galáxias.
Apenas analisamos imagens, feitas por potentes telescópios, ou equipamentos que não vão tão longe assim, para deduzirmos, com a ajuda de fórmulas matemáticas, o que poderia estar acontecendo além de nosso alcance. Os cientistas procuram por vida em outros cantos do universo, mas se baseiam nos elementos que possibilitam a vida na Terra (oxigênio, carbono, etc). E os outros elementos, desconhecidos para nós, existentes no espaço infinito?
Nosso tempo de vida individual é extremamente curto, assim como a história da humanidade. Acredita-se que nossa espécie surgiu há cerca de 200 mil anos, evoluída de ancestrais que teriam surgido há 2 milhões de anos. No século 18 vivemos a Revolução Industrial, que nos trouxe à era atual da Revolução Tecnológica. Em pouco mais de dois séculos, desenvolvemos tecnologia capaz de destruir o planeta Terra, único lugar viável que temos para viver, mas somos incapazes de resolver os problemas de nossa própria espécie. Para onde caminhamos, afinal?
Admiramos toda essa tecnologia, quando deveríamos admirar a vida. Não me refiro a nossas vidinhas medíocres, mas à vida que pulsa na interação de todos os seres, na soma das vidas de todas as espécies, animais e vegetais, que se conectam em permanente interação.
Dos microorganismos que tornam o solo fértil, às formigas e outros insetos que polinizam e tornam possível a reprodução dos vegetais, que são abrigo e alimento para os animais, que ao morrer alimentam os microorganismos garantindo o ciclo da vida…
Lembrem-se dos fungos, das abelhas, dos beija-flores, dos ninhos ocultos nos galhos das árvores, dos urubus, dos saruês. Ou dos planetas cumprindo suas órbitas ao redor do Sol.
A vida é um sistema complexo de interação, e nós perdemos a capacidade de compreendê-la.
ALEXANDRE MARINO, escritor e jornalista em Brasília/ DF, escreve quinzenalmente às sextas nesta coluna