Opinião

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25 de outubro de 2023

PERCIVAL PUGGINA

Razões para a anistia

Escreveu alguém, não lembro quem, que a anistia funciona sobre o ambiente político como rescaldo em área incendiada, quando se borrifa água para extinguir focos de fogo ou brasa persistentes junto às cinzas.

O momento político brasileiro se inclui entre os mais complexos de que tenho lembrança. Há quase cinco anos o país convive com a censura, com os assuntos proibidos e as opiniões restritas, com a ditadura do consórcio de mídia e a manipulação da informação, com o cerceamento das redes sociais e com a teimosa recusa às urnas com impressora.

Assistimos o tratamento díspar proporcionado às forças políticas em confronto e vimos a carranca ameaçadora dos inquéritos do fim do mundo num mundo sem horizonte. Há setores da sociedade que a tudo chancelam e aplaudem delirantemente. Por vezes, o aplauso tributado a uns foi, também, o apupo dirigido a outros e um contundente depoimento coletivo…

Assisti a isso durante quatro anos e continuo assistindo. Para descrever as causas da completa erosão do ambiente político nacional, devo ainda devo acrescentar dois itens: a surdez institucional à voz das ruas, significando omissão e desprezo à opinião pública e o alinhamento político da sólida maioria dos ministros do STF/TSE.

Tal conduta tem sido proclamada com sinceridade cristalina em sucessivas e repetidas manifestações. “Perdeu mané!”, “Missão dada, missão cumprida”, “Tem muito mais gente para prender e multa para aplicar”, “Derrotamos o Bolsonarismo”, “Lula não estaria no Planalto se o STF não tivesse enfrentado a Lava Jato”.

Prisões políticas do passado

Em passado nada recente, tivemos presos políticos. Muitos eram terroristas de fato, pertenciam a organizações políticas cujo viés revolucionário e comunista estava expresso nas siglas usadas, onde o C era “comunista”, o R era “revolucionário”, o T era “trotskista”, o B era “bolchevique”, etc. Pegaram em armas e cometeram muitos crimes de sangue. Foram anistiados em 1979.

Aliás, a história da República registra quase meia centena de anistias concedidas. No geral, decorreram de negociações políticas, lidaram com processos em curso e condenações penais envolvendo indivíduos ou grupos. No final dos anos 70 do século passado, forte mobilização ganhou as ruas pressionando o governo por uma anistia “ampla, geral e irrestrita”. Graças a ela, militantes da esquerda voltaram ao Brasil, outros saíram das prisões, outros ainda deixaram a clandestinidade e se incorporaram à dinâmica normal da vida política.

Ao assinar a lei de anistia, em 28 de agosto de 1979, Figueiredo reconheceu “que ela não desfazia divergências”, ao contrário, estas “se refaziam pela liberdade”. Era preciso, porém, continuou, “desarmar os espíritos pela indispensabilidade da convivência democrática”.

Temos mais presos políticos do que Cuba

Passado meio século, o Brasil volta a ter presos políticos. E os tem em número superior aos de Cuba.
Mais de 1,5 mil cidadãos suportaram a pecha de terroristas a eles aplicada por ministros do STF que tinham o dever de saber a diferença conceitual e penal entre 1) estar na praça, 2) invadir um prédio 3) promover uma quebra-quebra; 4) praticar golpe de estado e 5) executar um ato de terrorismo.
Permaneceram presos durante meses, submetidos às mesmas “excepcionalidades” circunstanciais que impulsionaram extravagantes decisões judiciais durante a campanha eleitoral de 2022. Os que voltam para casa, portam tornozeleiras e deixaram no presídio direitos de sua cidadania.
Os julgamentos a que assisti me revoltaram o estômago. Apenas o “animus condenandi” foi presença mais presente do que a ausência dos réus. Ah, senhores, as penas! Penas desproporcionais destroem o senso moral da sociedade! Lembro do mesmo tribunal julgando os réus do mensalão. O processo evidenciara o uso da publicidade oficial para financiar, durante o governo Lula I, a compra de votos no Congresso Nacional. O sistema funcionava mediante três núcleos articulados e usados como tais no julgamento: o publicitário, o financeiro e o político. Dentro deles se posicionavam os réus. Tudo caracterizava o crime de formação de quadrilha, só que não. Embora também por esse crime os réus tivessem sido condenados, um recurso de undécima hora, valendo-se do que Joaquim Barbosa chamou maioria de ocasião, excluiu as condenações por formação de quadrilha. Como consequência, os réus do núcleo político escaparam de cumprir parte das penas em regime fechado. Quem tem padrinho não morre pagão e quem não tem comete crime até por estar sentado na praça, numa cadeira de praia, comendo algodão doce.

Os atuais projetos de lei propondo anistia

Sei de três projetos, dois na Câmara dos Deputados (de autoria do Major Vitor Hugo e José Medeiros) e outro no Senado Federal (de autoria do senador Mourão). Têm características diferentes, mas não é impossível chegarem os autores a um acordo.
O que torna indispensável a anistia é o somatório de “excepcionalidades”, o abandono do senso de proporção na fixação das penas e o total desconhecimento das atenuantes. Como desconhecer a cultura política impressa no inconsciente popular em um século e meio de história da República, que sempre viu nas Forças Armadas a função de última instância que nossas constituições jamais providenciaram? Isso para não falar das atenuantes proporcionadas pela própria atuação dos ministros ao longo dos últimos anos. Eu não aprovaria anistiar os depredadores infiltrados ou não, presentes ou ausentes. Para os demais, contudo, a anistia é exigência do senso de justiça. Ou da aversão à injustiça.

PERCIVAL PUGGINA é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org,