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Opinião

ULYSSES MARQUES MATTAR

O tribunal da internet

Nos dias atuais, a tecnologia faz parte do nosso cotidiano. Grande parte das pessoas começa o dia acessando aplicativos de mensagem instantânea (Whatsapp) e redes sociais (Facebook, instagram, Twitter). Em todos são compartilhadas notícias de grandes jornais e até mesmo de pequenos blogs.

E quanto mais polêmico o assunto, melhor para aguçar a curiosidade. Até aí tudo bem. O problema começa quando as notícias divulgadas tratam sobre supostos crimes que nem sequer foram devidamente apurados.
Nesse sentido, tem sido recorrentes os casos em que atletas conhecidos são acusados de crimes relacionados à integridade física e sexual.

Apenas para dizer o óbvio, então vamos lá: todo e qualquer crime sexual é abominável, e quem o pratica, contra quem quer que seja, merece ser punido com o rigor máximo da legislação penal. Ponto.

Passemos, porém, ao que importa: a maneira absolutamente absurda, ignorante, e, por vezes, mal intencionada com que boa parte da imprensa que cobre esportes trata do assunto praticamente todas as vezes em que algum atleta famoso aparece em noticiário dessa natureza.

O mais recente deles é do jogador Antony, atacante do Manchester United e da Seleção brasileira. Uma ex namorada publicou fotos com lesões em sua cabeça e em uma das mãos e as enviou para a reportagem do UOL Esportes, o que deu ensejo ao show de condenações prévias do acusado.

Não se trata aqui de defender previamente o atleta, mas de combater o tribunal da internet, que desconhece os trâmites processuais, inclusive a presunção de inocência e a necessidade de trânsito em julgado para quaisquer condenações.

Um caso que retrata bem o perigo das condenações prévias foi o do também jogador Benjamin Mendy, campeão do mundo com a França, em 2018, e que jogava no Manchester City, quando em outubro 2020, foi acusado de estupro por uma mulher na Inglaterra. Da primeira acusação, sucederam-se outras seis, de diferentes mulheres, nos anos de 2020 e 2021.

Mendy chegou a ficar preso preventivamente entre agosto de 2021 e janeiro de 2022, ficando em liberdade (mas com o passaporte recolhido, portanto apenas em solo inglês) até seu julgamento, que ocorreu em julho de 2023. Entre agosto de 2021, e julho de 2023 (época do julgamento), o Manchester City, temendo represálias e visando preservar a reputação da instituição, suspendeu o contrato do jogador.

Resultado do julgamento: Mendy foi considerado inocente de todas as acusações e , após o massacre de reputação que sofreu das imprensas inglesa e francesa, hoje retomou a carreira em um clube pequeno da França, o Lorient.

É preciso, portanto, que se reflita sobre os riscos que podem causar matérias precipitadas e sensacionalismo em cima de pessoas que ainda não tiveram a chance de provar sua eventual inocência. Os riscos do assassinato de reputações. De vida mesmo. Em tudo.

Mas se lá na frente Antony for realmente culpado e condenado, isso fará certos aqueles que, antes que isso aconteça, já formaram seu juízo e o trataram como condenado por agressão física contra uma mulher? É claro que não.
Os ditos “canceladores” nos fazem lembrar os tempos da caça às bruxas, na idade média. “Os pecadores não têm direito de viver”, diziam. Algo inadmissível num mundo minimamente ideal.

Sempre que aparece uma acusação de crime contra integridade física ou sexual tendo como alvo uma celebridade, esse comportamento que ignora a presunção de inocência, quando as acusações se mostram inverídicas, corrói a credibilidade das mulheres, essas sim, que realmente foram, têm sido, ou são frequentemente violentadas de forma bárbara e abominável.

ULYSSES MARQUES MATTAR é advogado em Passos e região e escreve excepcionalmente, hoje, no lugar de Alberto Calixto Mattar Filho.

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