Opinião

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6 de setembro de 2023

WASHINGTON L. TOMÉ DE SOUSA

Um erro não conserta o outro

“Esta noite eu tive um sonho… com o dia em que a Terra parou… foi assim… no dia em que todas as pessoas… do planeta inteiro… resolveram que ninguém ia sair de casa…” (Raul Seixas)

Com esta música/profecia (“O dia em que a Terra parou” – 1977), o cantor e compositor Raul Seixas (Raulzito) superou Nostradamus e suas previsões, acertando na mosca (não a da sopa, é claro, rsrsrs!), sem pretensão, da anunciação da pandemia da Covid-19, com quatro décadas de antecedência.

Ninguém, jamais, em sã consciência, previu isso, que o mundo um dia pudesse parar e se recolhessem todos em casa, por longos dias, temerosos da morte que soprava pelos quatro cantos do planeta. Passou, mas foram dois anos de agonia…

Diz-se que os artistas têm um quê de profetas, aqueles que, através das suas obras (seja na literatura, na pintura, na música, na escultura, nas peças teatrais, seja em outra arte qualquer), denunciam os abusos, as injustiças, a corrupção, a maldade de sua época, com as suas consequências sombrias, mas também manifestam uma mensagem de esperança, para quando a justiça for exercida, trazendo como corolário a tão desejada paz.

As pinturas de Goya (Francisco de Goya, pintor espanhol, 1746-1828), são um exemplo claro e impactante disso, pois transmitem, com intensidade, o período turbulento, violento, inquisitorial e de transformação pelo qual passavam a Espanha e grande parte da Europa à sua época.

Não podendo denunciar verbalmente as atrocidades perpetradas pela Inquisição, sob pena de ser mais uma de suas vítimas, que na Espanha alcançou o seu auge de crueldade, o fez através de muitas de suas fantasmagóricas telas. O filme “Sombras de Goya” (2006) retrata bem os horrores de tudo isso.

Já no Brasil, nos dias atuais (e não foi diferente no passado), desnecessário qualquer ‘profeta’ a denunciar todos os males que nos assolam, pois a realidade da exclusão de milhões de brasileiros já é, por si mesma, uma ‘tragédia anunciada’, bastando sair às ruas ou acessar os meios de comunicação para se deparar com ela; salta – e muitas vezes assalta – aos olhos e já não causa indignação, pois se incorporou ao nosso cotidiano e é tida como coisa normal – e não o é. Anestesiados, seguimos em frente; tornamo-nos indiferentes a ela.

Segundo dados recentes da ONU, o Brasil é o sétimo país com maior desigualdade social do planeta, perdendo, apenas, para uma meia dúzia de países da África. Não foi fácil conquistar esta posição, não. Já são mais de quinhentos anos de trabalho árduo e contínuo neste sentido, com a participação de brasileiros de todos os segmentos e posições da sociedade. A continuar assim, em breve alcançaremos o tão almejado primeiro lugar.

Em tentativas recentes de se reverter todo esse quadro de injustiça social, temos visto e vivido, grosso modo, o embate político-ideológico entre direita e esquerda, com suas diferentes e divergentes visões de mundo e do homem, bem como o ativismo político do judiciário, buscando apresentar, muitas vezes, a população marginalizada como “vítima da sociedade”, o que, de certa forma, não deixa de ser verdade, não se autorizando, porém, de forma alguma, a leniência com o crime, mesmo os de menor potencial ofensivo.

Em justa tentativa de se corrigirem as injustiças sociais consolidadas ao longo de séculos e de se adequar a legislação aos novos tempos, tem-se observado o legislativo e o judiciário brasileiros relativizando a legislação e a vontade do povo manifesta pelo voto e, também, apurada em pesquisas de opinião pública, como é o caso recente do porte de maconha para consumo próprio, em votação no Supremo Tribunal Federal que, salvo melhor juízo, estaria usurpando, no caso, prerrogativa do Congresso Nacional (e agora, senador Pacheco, e agora? Alimentou o ‘monstro’, ou por conveniência ou por omissão, e, como paga, está sendo ‘engolido’ por ele. V. Exa. achou que seria diferente? Como um bom político mineiro foi cair nessa?).

Para o resgate da governabilidade e da justiça social, duas coisas são essenciais, sem as quais as demais iniciativas não lograrão êxito. A primeira, de aplicação imediata, é a do império da lei, ‘erga omnes’ (que vale para todos). A segunda, que demanda um processo mais demorado e continuado ao longo do tempo (afinal, não se corrigem quinhentos anos em cinco), é a da criação pelo Estado de mecanismos e estruturas que proporcionem a ascensão sócioeconômica dos desvalidos e menos favorecidos da sociedade, reduzindo as gritantes desigualdades sociais instaladas em nosso país. Sem isso, não teremos a tão almejada paz social, independentemente de quem quer que esteja no governo.

O ‘rei’ Roberto Carlos tinha razão quando cantava: Eu Não sou contra o progresso/Mas apelo pro bom-senso/Um erro não conserta o outro/Isso é o que eu penso. (“O progresso” – Roberto e Erasmo Carlos – 1976)
Saúde e paz a todos!

WASHINGTON L. TOMÉ DE SOUSA (@washingtontomedesousa – Youtube e Facebook), bacharel em Direito, ex-diretor da Justiça do Trabalho em Passos, escreve quinzenalmente às quartas, nesta coluna