J. R. GUZZO
Marco temporal está sendo decidido no lugar errado
A demarcação das terras indígenas, como tantas outras questões no Brasil de hoje, está sendo decidida no lugar errado, pelos juízes errados e com as premissas erradas. O chamado “marco temporal”, que pretende estabelecer com clareza, ou mais clareza, regras para se saber o que pode ou não pode ser demarcado como território indígena pelo poder público, deveria estar sendo decidido pelo Congresso.
Os juízes deveriam ser os deputados e os senadores. A solução do problema, enfim, deveria respeitar o princípio constitucional de que as leis aprovadas pelos representantes legítimos da população não podem ser anuladas, reformadas ou travadas pelo STF. Nada disso está acontecendo.
Há o entendimento geral, há quase quinze anos, de que só pode haver demarcação de novas reservas em áreas que já estavam ocupadas pelos índios no dia 5 de outubro de 1988, quando foi promulgada a Constituição atual – além dos lugares onde as comunidades nativas mantinham, naquela data, disputa judicial sobre a posse das terras.
É nesse sentido a jurisprudência do próprio STF, em decisão de 2009. A posição parece racional – quase 14% do território nacional, ou mais de 1 milhão de quilômetros quadrados, já são hoje áreas reservadas para as tribos indígenas, que somam, talvez, 0,4% da população brasileira.
Além disso, o marco temporal cria um ambiente de maior segurança jurídica para o exercício do direito de propriedade. Naturalmente, há posições contrárias. Na visão anti-marco, que se tornou uma “causa” para a esquerda mundial, não deve haver um limite de tempo na demarcação de terras indígenas – algo que, em tese, permite às tribos pedirem que lhes sejam entregues terras que não ocupavam em 1988.
Que fazer: vale o marco ou não vale o marco? A resposta deveria ser muito simples. Pelo que está escrito na Constituição, o Congresso – e só ele – pode fazer uma lei específica para definir claramente a questão. É exatamente o que a Câmara fez: aprovou em 30 de maio último, por 283 votos a 155, uma lei declarando que o marco territorial deve ser aplicado.
O projeto foi para votação no Senado, e já está aprovado por 13 votos a 3 na Comissão de Agricultura e Reforma Agrária; daí vai para a Comissão de Justiça e enfim para o plenário. São maiorias indiscutíveis, e representam a clara vontade do povo brasileiro sobre o assunto – não há outra maneira legal de se definir o que a população quer ou não quer. Se deixassem a Constituição resolver, o caso estaria quase solucionado. Mas não deixam – o STF está querendo fazer a sua própria lei a respeito.
J. R. GUZZO é jornalista.