Opinião

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14 de agosto de 2023

Luiz Gonzaga Fenelon Negrinho

Visitas inoportunas

Podem me chamar do que quiserem, de chato, inconveniente, metido a besta. Para a alegria de quem não gosta de ser incomodado, não sou dado a visitas. Parentes reclamam, outros devem regozijar-se. Fique guardado e estabelecido na forma testamentária: não vou na casa de ninguém, principalmente sem ser convidado. Em definitivo, não gosto de aborrecer quem quer seja.

O escritor Ariano Suassuna, o homem da prosa boa e riqueza maior do folclore nordestino, também não gostava de ‘aperrear’ pessoas no recôndito do lar. E continua dizendo isso post mortem em deliciosas palestras que se eternizam mundo afora.
Como vou saber se minha visita será boa, desejada e favorável? Jamais vou saber.

Por isso mesmo não vou. Amo meu filho, irmãs, sobrinhos, primos e amigos de toda ordem. Estendo-me em alegrias quando os encontro no acaso. O que dura pouco. Mas não vou em suas casas a não ser em absoluta precisão. Se previamente avisado, ajustado, na obediência de normas de conduta, até posso ir.

Ainda assim boto fé na demarcação do tempo. Mas não finco pau de barraca. Um pé lá outro cá, como dizia minha mãe para os sabões de cada dia ou a fezinha no Turica. Daí que vou em suas casas somente em casos bem extremos.

Vão dizer que não os amo na altura do carinho e do afeto. Não é verdade. Tenho sobrinhos que amo de montão e não sei como é o interior de suas casas. Minha Irmã mais velha, de São Paulo, não sei como é seu apartamento. Sei que mora num arranha-céu no centro nervoso da Paulicéia Desvairada, de que falava Mario de Andrade nos áureos tempos da Semana da Arte Moderna (poemas, 1922). E não é por falta de convite e tampouco de solicitação. Não vou e pronto. Tenho manias, crenças e convicções.

Sabe-se lá se vou encontrar algo que os impeça de pelo menos alguns minutos para um “oi”, “olá”, “como vai”, na manutenção dos laços afetivos e familiares? Não sei. Então não vou. Inconveniência passa ao largo. Chatice!

Da última vez que abri espaço a uma visita de aniversário foi tudo muito bonito e benfazejo. Até que… Bem, surgiu o assunto de política partidária e pediram minha opinião. E eu lá gosto de tratar de política em reuniões sociais e familiares? Deus me livre e guarde! No espaço da confraternização havia torcedores da direita e outros da esquerda. Esperto que nem bagre ensaboado, procurei ficar na minha, no muito pelo contrário, sem ofertar palpite sobre tema tão bombástico quanto controverso. Preferi me abster.

Suplício à vista. “Você escreve na Folha e fica dando opiniões diversas, e se nega a manifestar a sua justamente entre os seus?” Disse sim. Para evitar transtornos, preferia me abster. Não ia entrar em assunto pantanoso e desnecessário. Coragem de momento, usei de frase feita: “Opinião é que nem carteira de identidade; cada um tem a sua”. Uma outra, no cuidado da boa educação, feia e ordinária, deixei de lado. Poderia tê-la usado se quisesse, estava entre os meus.

No potencial das brejas, uns mais exacerbados que outros, vi que o assunto e o meio já não eram pra mim. Daí que os abençoei e, na primeira oportunidade, procurei sair de fininho, para fugir de assuntos ácidos. Acho pesado dizer ‘tóxicos’.

A verdade é que não gosto de discutir religião, política e futebol com ninguém e em lugar algum. Principalmente em casa de amigos e parentes. Ainda mais quando uma pessoa querida se abeira e, numa simplicidade digna do compreensível, questiona-me se concordava que o Lula presidente era mesmo o Lula, e não um sósia.

Assim: Lula não era o Lula, morrera há algum tempo, e por ordem ideológica, econômica e política legal – ao que chamam de establishment, colocaram uma espécie de sósia no seu lugar para governar o país. Na verdade, em vez de sósia, usara o vocábulo “boneco”.

Aí não deu. Para não ficar mais louco do que sou, retirei-me da reunião que tinha tudo para ser agradável e festiva. Porque em cena, a falta de graça: a política boba e nada construtiva, a que simplesmente gera conflitos e faz atrapalhar por não aproximar pessoas.

Se me perguntarem como fico em razão da mania do distanciamento, vou logo adiantando. Ponho-me saudoso, choroso, lamentoso etc. Isso de não ir em casas de amigos e parentes e não aceitar convites para nenhuma celebração tem muito do meu jeito de ser. Ou quem sabe, algo a ver com o transtorno bipolar que certa feita ditou em diagnóstico o renomado Dr. Arlindo Ribeiro.

Em sendo assim, considerando possibilidades possíveis e imagináveis, visíveis e invisíveis, vou continuar saudoso e lamentoso, mas em tempo algum e em nenhuma hipótese, vou me dar ao desplante de incomodar quem quer que seja, como também permitir seja incomodado.

Aos próximos e chegados, e aos não tão próximos e chegados assim, não necessariamente pelas linhas do tempo e pela dinâmica do meio, torcida e bênçãos. Tais figuras estão gravadas e grafadas na memória em letras maiúsculas. Não os esqueço nunca. Na lembrança, uma velha canção de Sérgio Endrigo, Festival de Sanremo, 1969: “Lontano dagli occhi…nada de lontano dal cuore; e, sim, vicino al cuore”. Perto do Coração.

Na conveniência do dia após dia, nada a ver com amor e desafeto, muito pelo contrário, distante dizer que a solidão é minha companheira ou o meu pior castigo. Como disse alguém em oportuno post, vi por aí: “Não há ninguém como um escritor para defender tão bravamente seu papel de vítima”.

Luiz Gonzaga Fenelon Negrinho, advogado, escreve aos domingos nesta coluna.