Opinião

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3 de agosto de 2023

ALBERTO CALIXTO MATTAR FILHO

A beleza poética do mar de Jorge Amado

Sempre admirei a natureza do homem comum. O homem simples, prático, hábil nos trabalhos manuais, o homem que não se exime de colocar a mão na massa, o homem que aprende com as experiências da labuta diária, o homem empírico.
Deve a literatura ser grata a tais homens. Grandes obras trazem, em suas páginas, infinitas trajetórias dos homens comuns, esses sujeitos imprescindíveis ao dia a dia e despidos de maiores vaidades.

O intelecto dos escritores encontra, muitas vezes, nos homens práticos a fonte para a construção de histórias. São as palavras dos homens que pensam a vida, a morte, as dores e os prazeres sobre os homens que simplesmente fazem do agir o grande sentido da existência.

Assim o digo porque estou lendo novamente o brilhante Philip Roth. Minha primeira incursão pelas páginas de Roth foi num rápido romance chamado “O homem comum”.

Lembrei-me, contudo, também de um texto aqui publicado, há anos, ao qual dei o título de A beleza poética do mar de Jorge Amado, pois baseado em seu romance “Mar morto”.

Quando do falecimento da escritora Zélia Gattai, senti vontade de resgatar a leitura de Jorge Amado. Ao assistir às reportagens sobre a vida de Zélia em que se revelava a longa trajetória de amor e companheirismo entre ela e o marido Jorge, meu desejo aumentou.

O resgate se deu em uma de suas obras mais lidas, “Mar Morto”. Embora tenha sido daqueles romances quase que obrigatórios dos tempos de colégio, eu nunca o havia experimentado.

Seu enredo é simples, porém belo. Belo porque retrata, com imensa força lírica, a trajetória dos homens do mar. Aqueles homens desprovidos de bens materiais e de formação educacional ou acadêmica, mas que sempre se revelaram de uma força e coragem incomuns.

Ao retratar o intenso amor entre o marinheiro Guma e a moça Lívia, ao lado de tantas histórias paralelas de outros personagens, Jorge Amado quis transmitir exatamente a força dos que nasceram perante o mar e dele extraíam sua subsistência. Melhor, a própria sobrevivência.

Ainda que para atingir os objetivos, ele tenha usado de todas as formas de fantasias, não se pode negar que os marinheiros, em especial os pescadores, são pessoas que enfrentam os riscos de acidentes e de vida o tempo todo. Por isso, o nome da obra, “Mar Morto”.

Trata-se de um romance em cujo núcleo gravitam espécies de crônicas em forma de capítulos, nos quais o escritor destila toda a imaginação de que é capaz. Entre as histórias interligadas de marinheiros, surgem atos repletos de heroísmo, de sucessos e insucessos, de aventuras festivas e libidinosas, sempre com a enorme paisagem marítima como pano de fundo. Em vários momentos, há fartas descrições das grandes tempestades que costumavam surpreender aqueles que se lançavam ao trabalho no oceano.

Não faltam detalhes a respeito da pobreza, dos valores, hábitos, crenças e da dor que sempre cercavam as famílias dos que partiam para as águas sem a garantia da volta. Mas, como dizia a canção de fundo, na voz dos frequentadores do cais e sob os efeitos da velha e boa cachaça: “ . . . é doce morrer no mar. . .”

Há alguns anos, em Fortaleza, ao final de uma bela tarde, não me esqueço de que fui bater um papo com velhos pescadores na orla marítima. Nem é preciso dizer que ouvi casos os mais diversos sobre os riscos que já tinham enfrentado nos mares.
Por mais que exageros houvesse − e quem não conhece os relatos de pescador? −, não deixei de admirá-los pela inegável coragem e absoluta entrega ao ofício que exerciam. Não vejo como trabalhar no mar sem amá-lo. O mar, esta força inigualável da natureza.

Durante a estada na capital cearense, em um dos passeios típicos em jangada por águas abertas, ouvi do jangadeiro uma frase após conversar com ele: “…Meu amigo, não tivemos escola, mas nosso grande professor é o mar.” Uma frase simples, mas de imenso conteúdo. De fato, ao observar aquele marinheiro, já me era possível vislumbrar, na sua imagem, a entrega e a determinação das criaturas tão bem retratadas na obra de Jorge Amado.

De toda a longa lista de romances do escritor baiano, “Mar Morto” também se popularizou. Traduzido para vários idiomas, é considerado o que se costuma chamar de poema em prosa ou prosa poética, tamanha a força dos sentimentos dos personagens, tamanho o lirismo do texto.

De leitura fácil, é obra tanto para adolescentes, que muito necessitam de estímulos ao ato de ler, quanto para adultos.
A beleza, em não poucas ocasiões, ocorre sob a mais absoluta simplicidade. Na obra, a da vida dos homens do mar.

ALBERTO CALIXTO MATTAR FILHO escreve quinzenalmente, às quintas, nesta coluna (mattaralberto@terra.com.br)