Adolfo Sachsida
Reforma tributária e crescimento econômico
Será que o PIB brasileiro vai crescer mais com a reforma? O efeito líquido da aprovação das mudanças da forma em que estão é positivo? Em política econômica, mais importante do que verificar o que é possível, é verificar o que é provável que ocorra.
Aqui, precisamos ser muito claros: se estivéssemos começando do zero, a reforma tributária aprovada na Câmara dos Deputados é superior ao regime tributário atual. Se o Brasil fosse recém-descoberto, me parece muito claro que a reforma tributária aprovada seria uma alternativa superior, em termos de crescimento econômico e geração de empregos e renda, ao modelo atualmente adotado no país.
O problema todo é que já existe hoje no Brasil um sistema tributário que, embora complexo e permeado de ineficiências, as pessoas e as empresas conhecem, e para o qual já existe jurisprudência. Esse ponto da jurisprudência não deve ser menosprezado. Ir para um sistema completamente novo implica, necessariamente, que uma nova jurisprudência seja criada. Abandonar décadas de jurisprudência, muitas consolidadas em tribunais superiores, terá inevitavelmente um custo em termos de insegurança jurídica.
Ao longo de décadas, as empresas foram se adaptando ao sistema tributário brasileiro. Mudar radicalmente esse sistema trará, inevitavelmente, custos elevados para setores específicos da economia. Nesses setores mais afetados é provável que a mudança de sistema virá acompanhada de desemprego setorial e queda na atividade.
Claro que outros irão se beneficiar com a reforma e gerarão mais emprego e renda. Mas é enganoso dizer que todos ganham com a reforma. Transparência é fundamental para um debate em prol do Brasil. Exatamente por isso, é fundamental saber quais alíquotas de tributo cada setor terá que pagar.
Em minha percepção, o Governo Federal, em conjunto com o Congresso Nacional, está tentando melhorar a economia brasileira e a vida dos brasileiros. Contudo, correm um risco não desprezível de entrar em um caminho custoso e de difícil retorno. Esse risco é sempre associado às grandes reformas: seus efeitos indesejados e não previstos costumam cobrar um preço alto.
Exatamente por isso sempre prefiro mudanças incrementais no sistema, com efeitos mais modestos, mas mais fáceis de serem corrigidos e com custos menores em caso de erros. E, não se enganem, toda construção humana é sujeita ao erro.
Outra questão relevante é que a reforma ainda não passou no Senado, e lá o governo terá que fazer novas concessões (notadamente na questão do Conselho Federativo e nas garantias à Zona Franca de Manaus e a determinados estados).
Também é fundamental lembrar que mesmo após ser aprovada no Senado a reforma provavelmente irá retornar à Câmara (pois é provável que tenha sido alterada). Em resumo, é improvável que tenhamos um formato final da PEC da reforma tributária antes de novembro. Quanto mais longa a tramitação, maior a incerteza e maiores serão as concessões a serem feitas pelo governo, o que pode desvirtuar razoavelmente o novo modelo tributário adotado.
Mesmo após a aprovação pelo Congresso, o governo ainda precisará aprovar leis complementares que operacionalizam a reforma (nesse momento teremos uma grande pressão dos diversos setores da economia para entrar na alíquota reduzida). O problema é que os setores que não entrarem nas exceções terão que arcar com alíquotas de IVA próximas de 30%, e isso vai travar investimentos na economia.
Como investir se você pode acabar em um daqueles setores de tributação de 30%? Aliás, muitos setores que estão apoiando a PEC o fazem confiando que entrarão na alíquota reduzida ou em algum regime especial. Esse equilíbrio de forças será testado no momento da aprovação das leis complementares.
Note que um dos argumentos que embasa a reforma tributária é evitar que a tributação influencie na decisão de investimento. Contudo, se tivermos muitas exceções à alíquota base esse problema pode ser agravado; e teremos ao final uma situação pior do que tínhamos no começo. Devo ressaltar que, mesmo depois de aprovadas as leis complementares, ainda existe a possibilidade de novos setores conseguirem reenquadramento em alíquotas menores. Afinal, até 2032 muitas mudanças ainda podem e irão ocorrer. Isso aumenta a incerteza e reduz os ganhos de eficiência da reforma proposta.
O IVA é um modelo de tributação desenhado no começo do século passado e com foco em bens. Tenho dúvidas de que ele seja o tributo mais adequado para uma era digital intensiva em serviços. Por exemplo, em 2016 o Partido Republicano propôs nos Estados Unidos o Destination-based cash flow tax (tributo sobre o fluxo de caixa baseado no destino).
É difícil afirmar qual modelo é superior, mas apenas ressalto que tem coisa nova sendo pensada no mundo. Acho que estamos entrando no IVA em uma época em que ele não é o mais adequado para endereçar as bases digitais e de serviços do mundo atual. Além disso, prefiro reformas menores e que poderiam ser feitas por leis ordinárias e choques de uso de tecnologia. Para finalizar, acredito que o Conselho Federativo pode ser o começo de um problema sério. Não é trivial ordenar as preferências de 27 estados e mais de 5 mil municípios.
Por fim, vamos à pergunta que deu origem ao texto: o efeito líquido de se aprovar a reforma tributária da maneira como está é positivo? Essa pergunta é extremamente difícil de responder e existem bons argumentos para ambos os lados. Dado meu viés conservador prefiro um conjunto menor de mudanças: reduzir o IPI, simplificar a questão das obrigações acessórias, juntar o PIS e a Cofins em um IVA federal, aumentar a digitalização e aprimorar o uso da tecnologia na arrecadação tributária me parecem ser um caminho mais seguro. Evidente que muito de minha visão provém de meu viés conservador, que prefere mudanças marginais, incrementais, no ordenamento jurídico, ao invés de grandes reformas estruturais.
Adolfo Sachsida é um advogado e economista brasileiro