Opinião

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12 de julho de 2023

Washington L. Tomé de Sousa

Onde mora a felicidade

“A infância deixa rastros em nossa memória, como sulcos num rosto ou num campo lavrado” (William Wordsworth – poeta inglês – 1770-1850)
A psicologia moderna traduz a citação de Wordsworth como “A criança é pai do homem”, querendo dizer com isso, grosso modo, que somos, na nossa vida adulta, o que em nós foi estruturado nos nossos primeiros anos de vida (sentimentos, caráter, aptidões, medos, relacionamento social…).

Daí, a importância e necessidade de se valorizar ainda mais esta etapa da vida, em todos os seus aspectos, mormente na educação, tanto na fase familiar quanto no prosseguimento escolar e social, o que levaremos para o resto de nossas vidas.
A propósito, pego de empréstimo (autorizado, por óbvio) a agradável narrativa de parte da infância de um amigo, abaixo reproduzida.

“Fui ‘limpar’ a pasta dos rascunhos e encontrei um velho e-mail; talvez, nunca enviado.
A primeira foto do anexo me lembra a infância, em Goiás.
Ela é do vagão onde meu pai trabalhava e onde passamos, eu e meu irmão, algumas férias, sempre viajando sem destino certo.
Meu pai encontra-se de pé, na plataforma; ali, na frente, era o seu escritório.

Imediatamente a seguir, sempre no sentido retro, duas janelas que são de um dos quartos; a janela ‘cega’ é do banheiro; as duas que se seguem são o segundo quarto; as duas últimas, a cozinha, onde meu pai mantinha uma rudimentar ‘máquina de café’, feita de folha de flandres e solda branca, e que funcionava com um fogareiro a álcool.

Havia também um fogareiro, também a álcool, que meu pai utilizava para fazer o feijão; era em pó, cozido e secado ao sol, inventado por ele; também com ele, fogareiro, ali fazia o arroz.
A carne era sempre a linguiça, que, dependurada no teto do vagão, ficava balançando constantemente à marcha do trem. A linguiça era preparada no prato com álcool, o que lhe dava um sabor característico. Com tanto álcool, haveríamos mesmo de gostar de uma cerveja!

A outra foto é da estação de Goiandira; o gordinho sou eu, o magrelo, meu irmão mais velho. O terceiro era um funcionário da Rede Mineira; lembro-me dele vagamente; o seu nome, não sei, talvez não soubesse nem mesmo na época.
Do lado direito da foto, ficava a parte administrativa da estação; ali estavam os telégrafos, com suas pilhas enormes, líquidas e azuladas; também ali se vendiam os bilhetes de passagem.

Do lado esquerdo, a nossa casa, de fogão a lenha e sanitário (?) do lado de fora; moravam conosco um adorado papagaio, que chamava o meu pai para o almoço e um docílimo e simpático pássaro preto, que se arrepiava todo e se deitava, só de ameaçar o carinho.
Ali, passei meus melhores anos da vida; diferentemente de Ataulfo – melhor que ele – eu era feliz e sabia; aliás, tinha certeza disso”. (Raul Moreira Pinto)

Recordar é viver

Eu daria tudo que tivesse/Pra voltar aos tempos de criança/Eu não sei pra que que a gente cresce/Se não sai da gente essa lembrança
Aos domingos missa na matriz/Da cidadezinha onde eu nasci/Ai, meu Deus, eu era tão feliz/No meu pequenino Miraí
Que saudade da professorinha/Que me ensinou o beabá/Onde andará Mariazinha/Meu primeiro amor onde andará?
Eu igual a toda meninada/Quanta travessura que eu fazia/Jogo de botões sobre a calçada/Eu era feliz e não sabia
(‘Meus tempos de criança’, música do compositor e cantor Ataulfo Alves – 1909-1969 – um dos clássicos da MPB).
Saúde e paz a todos!

WASHINGTON L. TOMÉ DE SOUSA (@washingtontomedesousa – Youtube), bacharel em Direito, ex-diretor da Justiça do Trabalho em Passos, escreve quinzenalmente às quartas, nesta coluna