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O Xerife de Topete Alaranjado

Foto: Reprodução

Luiz Gonzaga Fenelon Negrinho

Em meio a crises globais, o Brasil assiste, mais uma vez, à sua soberania ser tensionada por interesses externos e por manobras internas que ignoram os impactos diretos sobre quem produz, exporta e põe comida na mesa.

A recente decisão do governo norte-americano de impor uma taxação de 50% sobre produtos estratégicos brasileiros — como ferro, aço, alumínio e proteína animal — funciona como um golpe direto na competitividade nacional. Essa canetada impacta cadeias produtivas inteiras, pressiona o dólar, alimenta a inflação e compromete investimentos. No fim da linha, quem arca com o custo é o trabalhador, que enfrenta prateleiras mais caras, contas inflacionadas e oportunidades de emprego ameaçadas.

Para o Brasil, que tem na exportação de commodities um pilar econômico, a medida revela uma fragilidade histórica: a dependência de mercados externos que, quando convém, fecham as portas ou elevam os muros. O produtor rural que investe, planta, colhe e transporta vê sua margem de lucro corroída sem ter a quem recorrer. O pequeno empresário, já pressionado por impostos pesados e infraestrutura precária, enfrenta agora uma barreira comercial que escancara a desigualdade de forças no comércio internacional.

Nesse cenário, ressurgem velhos fantasmas: o protecionismo dos Estados Unidos, personificado em Donald Trump — o “Xerife de Topete Alaranjado” — que, sob o pretexto de proteger sua indústria, impõe barreiras a parceiros comerciais e reforça um nacionalismo agressivo que reacende tensões globais. Sua retórica, que mistura bravatas, slogans e ensaios de confrontos diplomáticos, tem efeito direto em países que pouco podem fazer além de remediar os danos.

Internamente, a postura de Eduardo Bolsonaro (PL-SP), deputado eleito pelo povo, do povo, amplia o problema. Ao se deslocar a Washington para buscar apoio político junto ao ex-presidente norte-americano, o deputado ignora o mandato que lhe foi confiado para defender interesses brasileiros. Sua atuação — transformada em cartas de apoio e teorias conspiratórias — tenta blindar juridicamente o pai, enquanto silencia sobre o prejuízo que recai sobre o produtor, o caminhoneiro, o trabalhador que sente no bolso cada nova taxação.

O que se vê é um paradoxo: quem deveria exigir respeito internacional ao Brasil se curva diante de quem nos impõe barreiras. Ao invés de defender negociações que revertam a taxação ou mitiguem perdas, o deputado ocupa corredores americanos para alimentar narrativas que reforçam divisões internas e exportam desconfiança sobre as instituições brasileiras.

A crônica assume, assim, um alerta cívico: confundir diplomacia com submissão custa caro demais para quem trabalha de sol a sol. O Brasil já conhece, de sua própria história, o preço de abrir mão de soberania em troca de favores pontuais. Do trabalhador que paga impostos altos à indústria que luta para se manter competitiva, todos são afetados por decisões tomadas longe das fábricas, das lavouras e das ruas.

Soberania não é discurso de ocasião, nem bandeira usada em redes sociais para inflamar apoiadores. É prática que exige coerência, vigilância e compromisso de quem foi eleito para representar o interesse nacional — inclusive quando isso significa enfrentar pressões externas, proteger cadeias produtivas e garantir a competitividade de quem põe comida na mesa do país.

Quando se ajoelha fora, dobra-se dentro. E quem paga o preço é sempre o mesmo: o brasileiro comum, que já carrega uma carga tributária sufocante, que lida com combustível caro, inflação teimosa, infraestrutura deficiente e falta de apoio para empreender.

Em tempos de bravatas importadas, convém lembrar: patriotismo de verdade se mede pelo que se faz em defesa de quem trabalha, e não pelo aplauso de plateias estrangeiras. Defender o Brasil é abrir mercados, garantir acordos justos, proteger quem planta, quem colhe, quem produz aço, ferro, proteína. É garantir que a competitividade nacional não seja rifada em troca de palanques improvisados.

No fim, fica o alerta: quem sustenta a economia não é quem desfila em corredores de Washington, mas quem acorda de madrugada para fazer o país acontecer. É essa gente que merece respeito — não cartas de endosso estrangeiras que pouco valem quando o dólar dispara e a inflação engole salários.

A história cobra. E o povo brasileiro, que já viu reis, imperadores e ditadores caírem, sabe reconhecer a farsa quando o custo dela bate no bolso de quem já paga caro demais.

Ademais, há gestos na geopolítica que dispensam legendas.

Luiz Gonzaga Fenelon Negrinho é advogado e cronista. (luizgfnegrinho@gmail.com)

 

 

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