BENEDITO JOSÉ
A vida acontece numa trama infinita de eventos paralelos. Para registrar fatos e gerar conhecimento, a humanidade decidiu quantificar e fragmentar a percepção de tudo o que acontece e deu a isso o nome “tempo”. Por se tratar de criação, o cérebro humano revelou com ela algumas perdas de memória, convulsões temporárias, confusão linear, estados de fuga, alucinações, sonhos adivinhatórios e outros mistérios ainda incompreensíveis pela lógica. Sem a ilusão do tempo, existe apenas uma fina membrana transparente entre os mundos físico e não físico, existe uma continuidade eterna da qual pouco ou nada vislumbramos de começo e de fim.
Bem que a vida nos avisa, manda recados e sinais, envia sincronicidades, coloca a realidade diante de nosso nariz, fala a mesma mensagem por vias diferentes. A gente finge que não ouviu ou não leu. Bem que as circunstâncias traduzem o mesmo conteúdo em diferentes contextos, as situações se desenvolvem com testemunhas bem próximas, os acidentes se repetem. A gente finge que não entendeu a lição.
A notícia ruim dos outros deixou de ser alerta, deixou de nos proteger contra certos perigos, deixou de influenciar nossas decisões. A gente descarta as probabilidades e escolhe a ilusão, pagando caro pelas consequências. O bicho homem nasceu com defeito de fabricação, com data de vencimento, com mutação das percepções, mas escreveu estórias para o boi dormir, de maneira que não se dê conta da piada que protagoniza no final de cada dia. Bem que a natureza fala em línguas claras ou translúcidas, mas permanecemos analfabetos úteis.
O tempo é uma máquina desengonçada, sem nenhum autocontrole, haja visto que ele é apenas uma percepção linear num universo multilinear. O tempo não para e por não parar ele não está a nosso favor. Gostamos de parar, de dormir, de descansar, de voltar atrás, de lembrar, todas estas coisas que nos fazem esquecer da voracidade das horas e dos anos. Gostamos de pensar, de sonhar acordado, de esperar, de dar um tempo ao tempo como se nosso ele fosse. A verdade é que nunca estamos prontos para nada. Nem para o momento presente, nem para o envelhecimento, nem para a morte. A gente nunca esteve nem estará pronto para o tempo. A vida não deixa.
Quando nada acontece, reclamamos que o tempo não passa. Quando assumimos mais compromissos do que podemos assumir, a gente reclama e diz que o tempo passa depressa demais. Quando os acontecimentos são comuns, lá vem mais reclamação de que a vida poderia aproveitar melhor nosso tempo com algo excepcional. Quando os desafios se apresentam, o tempo não é suficiente para resolvê-los.
Se o tempo nos pertencesse, viveríamos em completa harmonia. Onde você encontra seu ponto de equilíbrio, lá estará garantida a sua sobrevivência em tempos difíceis. Quando você convida a calmaria para fazer parte de sua mente, suas escolhas são mais claras e certeiras. Se você aprendeu a fazer conexões espirituais em tempos de paz, saberá usá-las a seu favor em tempos de guerra.
Ao praticar o pensamento crítico com frequência, sua consciência saberá discernir o lobo do cordeiro, a verdade da mentira, as pessoas de bem e os manipuladores do mal, caso eles mostrem a cara. Mesmo que tentem lhe enganar ou lhe obriguem a tomar partido do caos, sua experiência anterior de firmeza é que lhe dará a raiz da sabedoria e do discernimento. Em tempos difíceis, se as decisões devem ser rápidas por força das circunstâncias, a experiência pessoal é simplesmente projetada como um raio. Lá vem o tempo para mensurar novamente os períodos de ordem e de caos. Dele precisamos como referencial de comparações, dele necessitamos como espelho dos recursos procurados. O chão que pisamos é apenas a linha do tempo.
BENEDITO JOSÉ, escritor, integra a Associação Cultural dos Escritores de Passos e Região, cujos membros se revezam na autoria de textos desta coluna aos sábados.