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O tempo cuida

ADAÍLTON ALMEIDA DE SOUSA

Nascemos e já estamos expostos. Fora do ventre somos indivíduos tateando às escuras, em busca de uma luz que dê sentido à nova casa, que se diz mundo. O cordão se rompe e não demora muito para que a infância seja apenas uma lembrança colorida de paz e segurança. É que só nos damos conta da nossa real fragilidade quando crescemos, quando vemos os pais sem as fantasias de super-heróis, quando os vemos como iguais e humanos.

Iniciamos uma jornada repleta de percalços e intempéries, porque o sofrimento é inerente à condição de estar vivo. É claro, durante o percurso não há apenas dor, há também cura, não há apenas lágrimas, há também sorrisos. A felicidade então, com um pouco mais de vivência, já não é vista como um fim, mas sim como frações, momentos, às vezes segundos valiosos, mas, sobretudo, como o fio condutor para que continuemos.

Nessa trajetória, encontramos outros indivíduos que assim como nós, ainda meio perdidos, nadam em um mar de incertezas, mudam de casa, trocam de profissão, separam-se e se casam novamente, tentando inutilmente encontrar uma verdade absoluta, quando, na verdade, a vida pode mudar de uma hora para a outra.

O fato é que, mais do que uma premissa filosófica, é certo que ninguém sabe de absolutamente tudo, é justamente isso que nos torna eternos aprendizes e buscadores. A incerteza de certo modo pode tornar a vida mais instigante e quem sabe, mais agradável. Saber de tudo seria talvez extremamente entediante.

Crises existenciais acometem o ser humano com frequência, a necessidade de saber a sua função no mundo é algo que atravessa o tempo, desde o início da vida humana, pelo fato de sermos seres pensantes e querermos uma razão para tudo. Bem, se deseja essa resposta, caro leitor, nesse texto não a encontrará, trata-se de uma especulação improdutiva por aqui, tarefa esta sob a qual a ciência, filosofia e religião se debruçam há milênios e, acredite, brigam com unhas e dentes.

No entanto, é interessante o fato de que embora não saibamos tantas coisas sobre nós e o universo, as pessoas que cruzam nosso caminho têm sempre algo a deixar e a receber. Podemos aprender com um erudito e também com uma criança de cinco anos, somos professores e alunos por natureza, uma vocação que permeia nossas existências e o resultado dessa simbiose é a gratidão, ou pelo menos se espera que seja.

Certamente, você se lembra de algo dito por alguém, um desconhecido talvez, que o tenha fisgado e feito você refletir, ou ainda, feito de você alguém melhor.

Lembro de quando ainda frequentava os bancos da faculdade, numa rotina muito intensa entre estudo e trabalho, em determinado fim de tarde, com o corpo e a mente cansada no trajeto para a universidade, resolvi sentar em um banco de praça, para recuperar o fôlego. Então um senhor, aparentemente muito simples se aproximou e sentou no mesmo banco, puxou conversa. Percebia-se em suas palavras que tinha pouca instrução, mas uma sabedoria incrível.

Falamos do tempo, coisas sem muita importância, até que em dado momento ele olhou nos meus olhos e disse: “Você ainda é jovem, percebo no seu rosto que se preocupa muito, está certo… Temos que cuidar do futuro, mas existem coisas que não estão ao nosso alcance, essas o tempo cuida”.
Admito que fui fisgado naquele momento. Desde então quando me faltava a paciência ou me preocupava demasiadamente, lembrava daquela conversa e pensava comigo, se já tinha feito o suficiente e o que eu podia, que o tempo fizesse o restante.

Como dizia no início desse texto, sobre a vida ser repleta de percalços, e ainda, sobre pessoas que cruzam nossas vidas e nos ensinam, pois é, há dois anos, tive que dar adeus a uma pessoa que talvez foi a maior professora da minha vida.

A dor parecia irremediável, por mais que estivesse exposto ao sofrimento desde o momento em que nasci. Nunca pensei que o sofrimento seria tanto, que estar fora do ventre e estar longe da mulher que nele me acolheu, seria tão doloroso.

Passei por todas as fases: o choque, a negação, a dor, a revolta, até lembrar de novo daquele senhor no banco da praça. Meditei silenciosamente, durante dias, sobre aquela conversa e conclui que apesar da dolorosa despedida, carregava comigo lições valiosas. Descobri o fio condutor para continuar.

Não há como saber o que irá acontecer ao virar a esquina ou quem não estará mais a nos ensinar amanhã. Ao cruzar a vida de alguém, deixe algo de bom, certamente também aprenderá com isso, no mais, quando o sofrimento bater à porta, receba-o com o seu melhor, para que logo ele vá embora. Faça o seu melhor. O resto, o tempo (ou Deus, para outros), cuidará.

ADAÍLTON ALMEIDA DE SOUSA, escritor, integra a Associação Cultural dos Escritores de Passos e Região, cujos membros se revezam na autoria de textos desta coluna aos sábados

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