“O inferno são os outros”. (J. P. Sartre)
Como já bem disse o pensador John Donne, “Nenhum homem é uma ilha”, fato corroborado pela psicologia, que diz que nós, seres humanos, somos constituídos na interação com o outro e, por extensão, com a natureza, com o mundo que nos cerca, nos seus mais variados aspectos e manifestações.
Reforçando a ideia, por oposição, o filósofo e escritor francês Sartre, em uma de suas peças, consagrou a expressão quase sempre invocada por todos para atribuir aos outros a causa dos próprios males ou dos da humanidade: a culpa é sempre de terceiros, do outro, de quem está do lado oposto, de quem não compartilha conosco do mesmo pensamento ou da mesma corrente política, religiosa, filosófica… – do meu lado e do meu grupo, o paraíso, do outro e no outro, o inferno. Do meu lado e do meu grupo, os “santos”, a isenção e a absolvição de todos os pecados. Do outro, os “demônios”, a condenação eterna.
Os artistas também, com a sua sensibilidade inata, são capazes de perceber estas nuances da natureza humana e manifestá-las nas artes, uma delas a música. Cantamos, nos encantamos, nos apaixonamos pelas músicas, mas, muitas vezes, não atentamos para as suas letras e o que traduzem.
Duas bandas brasileiras, com duas canções de sucesso com o mesmo tema, expressam bem isso em seus versos, dos quais ora reproduzo alguns: 1) “O problema não é meu, o paraíso é para todos, o problema não sou eu, o inferno são os outros, o inferno são os outros!” (Titãs – O inferno são os outros); 2) “O que seria de tua beleza, se eu fechasse os meus olhos para você? Do que adiantaria essa tua ideologia, se a tua própria liberdade se transformasse em opressão?” (Detonautas – O inferno são os outros).
Segundo a narrativa da criação do homem no livro do Gênesis, nem Deus andava só: “Deus disse: façamos o homem à nossa imagem…” – plural (Gn., 1.26). Embora haja correntes teológicas divergentes na interpretação do “façamos”, pelo menos duas respeitáveis concordam na pluralidade de agentes: 1) a de que este diálogo se estabeleceu entre a trindade divina e 2) a de que ele ocorreu entre o criador e sua corte celeste.
Nós, humanos, tendemos ao absolutismo (“O poder tende a corromper e o poder absoluto corrompe absolutamente”, na clássica expressão de Lord Acton – 1834-1902) e a atribuir aos outros os males que enfrentamos e de que a sociedade padece, colocando-nos em um patamar, individualmente, ou, como grupo, coletivamente, de “donos do bem”.
Necessitamos, porém, urgentemente, de tomar consciência de que somos, todos, solidários como humanos e com a natureza que nos cerca. E de que o “outro”, ao qual habitualmente condenamos, também somos nós.
Saúde e paz a todos.
WASHINGTON L. TOMÉ DE SOUSA (@washingtontomedesousa), bacharel
em Direito, ex-diretor da Justiça do Trabalho em Passos, escreve
quinzenalmente às quartas, nesta coluna, excepcionalmente, hoje, nesta terça)