Opinião

O lobo da estepe, de Hermann Hesse

12 de junho de 2025

Dia desses, alguns amigos do mundo virtual que também amam a literatura diziam algo sobre Hermann Hesse. Lembro que cheguei a experimentar duas de suas obras mais conhecidas, “O lobo da estepe” e “Sidarta”. Sobre ambas aqui já publiquei opiniões há muitos anos. Meados de 2001.

Logo depois, em passeio pelo perfil de um criador de conteúdos filosóficos no Facebook, Oliver Harden, eis que leio um texto dele exatamente sobre “O lobo da estepe’. Os textos de Harden estimulam o pensamento profundo em tempos dominados pela excessiva fluidez de imagens e de debates que se sucedem em escala geométrica.

Tais fatos me bastaram para que, em pesquisa aos meus arquivos, trouxesse o que eu havia escrito sobre “O lobo da estepe”. À época, fiquei tomado pelo romance e cheguei a destacar páginas ou frases que me despertaram a atenção.

Não reproduzirei o antigo texto na íntegra. Na realidade, a obra demandaria uma releitura para que outros ângulos pudessem me surgir hoje. Contudo, tentarei trazer a vocês o que creio essencial.

Hermann Hesse nasce em julho de 1877 em uma pequena cidade da Alemanha e morre em 1962, no interior da Suíça. Por influência dos pais religiosos, deveria ter estudado teologia, mas debandou do seminário por não suportar os rigores da disciplina. De mais a mais, no começo da juventude, revoltou-se contra as doutrinas nacionalistas e fugiu para a Suíça.

Em terras suíças, ao se empregar em uma livraria e adquirir sólido conhecimento, passa a se dedicar mais intensamente à literatura e, por lá, também se casa com a filha de uma família de posses, porém logo se separa a fim de viver isolado em meio à natureza.

A biografia de Hermann Hesse comporta muitos aspectos, mas é preciso dizer que sempre foi repleta de rupturas. Contra a educação dos pais, contra o cristianismo, contra a escola, contra a vida burguesa, contra as guerras, contra o nacionalismo em ascensão nos anos de Alemanha. Um opositor de todas as amarras e poderes. Um escritor de altiva independência.

Vários conflitos dessa natureza estão, portanto, ali, nas páginas de “O lobo da estepe”, Sim, somos seres múltiplos e, muitas vezes, teremos que decidir que caminhos escolher, no âmbito do possível, perante situações diversas.

Na obra, tudo reside nas reflexões do protagonista Harry, que vai apresentar ao leitor os dramas que lhe sufocam e que poderiam muito bem ser ou ter sido os de qualquer um de nós em diferentes momentos da vida.

Parece então claro que as tortuosas trilhas de rebeldia do homem Hermann Hesse influenciaram bastante os livros que escreveu. No caso de “O lobo da estepe”, o próprio título remete à solidão dos lobos em suas perambulações nos prados distantes. Harry, o protagonista, é o lobo solitário.

Solitário, porque se revolta intimamente contra os padrões estabelecidos pela sociedade e pelo Estado e vivia a dualidade entre homem e lobo, uma metáfora do antagonismo entre a adaptação aos valores e regras vigentes e a ruptura com o que determina o convívio social a quaisquer pessoas que pretendam seguir os padrões.

Solitário, porque desejava ardentemente um estágio superior de libertação de tudo que nos é imposto. Solitário, porque em busca da verdade e da autenticidade únicas.

Por certo, uma construção literária em contato com os estudos da psicanálise que já se fortaleciam na década de 20, quando o livro foi publicado. Aliás, reconhecido por um conterrâneo de Hesse, o genial Thomas Mann, já que ambos mantiveram uma relação de respeito mútuo.

Harry Haller, o nome completo daquele personagem singular e de grande cultura, vai, assim, expondo os pensamentos mais introspectivos que nutria a respeito de si mesmo, do homem e da vida, indivíduos complexos que somos.

Como em frases que destaquei no texto original, ocorria a ele uma imersão tão plena nas próprias reflexões, que o que parecia um sonho ou um estado de êxtase logo se transformava em amargo destino.

“ … como o poderoso acaba arruinado pela insaciável fome de poder, o lobo da estepe se arruinava pela própria independência. Seria independente, jamais haveria de se submeter a alguém, pois, só e livre, decidiria sobre seus atos e omissões. Mas, em meio à liberdade alcançada, compreendia, de súbito, que essa liberdade era a morte…”

No entanto, embora tenha descido a uma espécie de fundo do poço por seus questionamentos excepcionais, eis que ressurge para manifestar que a vida sempre nos surpreende de modo positivo quando tudo possui aparência de caos, de perdas, de derrota.

De fato, com base em um protagonista inusitado, ocorrem indagações filosóficas sobre a vida, a morte, a dor, a arte e a imortalidade, com intrigantes momentos que nos farão penetrar no raro universo do lobo solitário Harry.

Melhor finalizar com as próprias palavras do autor, em posfácio à edição.

“ O livro retrata, sem dúvida, sofrimentos e necessidades, mas, por outro lado, menciona a existência de um mundo de fé, sereno e atemporal. Não é um livro de um homem em desespero, mas o de um homem que crê.”

Alberto Calixto Mattar Filho escreve quinzenalmente, às quintas, nesta coluna (mattaralberto@terra.com.br)