Opinião

O jogo do Tigrinho e o fim do Estado

22 de maio de 2025

Foto: Reprodução

Pedro Rousseff

O Brasil sempre teve um talento singular para transformar tragédia em espetáculo. Agora, a mais nova cena desse drama popular atende pelo nome de “jogo do tigrinho” — ou, como preferem os patrocinadores das promessas fáceis, “cassino online”. A moda parece inofensiva, até divertida. Mas, por trás das luzes piscando e das roletas virtuais, o que se esconde é um sistema perverso, que drena bilhões de reais do bolso do povo e os envia, sem escalas, para paraísos fiscais. Literalmente.

Segundo estimativas divulgadas pelo Banco Central em abril de 2025, os brasileiros apostam cerca de R$ 30 bilhões por mês em plataformas de apostas — o que soma mais de R$ 360 bilhões por ano, valor equivalente a quase três vezes o orçamento anual da saúde pública no país. Grande parte desse dinheiro é remetida ao exterior, para empresas sediadas em paraísos fiscais e sem qualquer vínculo com o desenvolvimento nacional. O jogo do tigrinho, símbolo máximo dessa engrenagem, resume o espírito da coisa: lucro privado sem responsabilidade social, vício induzido sob aparência de liberdade individual e uma lógica de mercado que deixa a população entregue à própria sorte — ou melhor, ao próprio azar.

Trata-se de um espelho cruel do projeto neoliberal em ação. Enquanto se desmonta o Estado, se precarizam serviços públicos e se desmoraliza qualquer ideia de política distributiva, estimula-se o consumo rápido, o ganho ilusório, o fetiche da riqueza instantânea. O povo, sem alternativa, é empurrado para a fantasia da aposta — como se fosse possível vencer um sistema feito para fazê-lo perder.

Não se trata de moralismo. Trata-se de justiça social. É preciso reconhecer que os jogos de azar eletrônicos operam sob um modelo regressivo de transferência de renda, no qual os mais pobres — especialmente os jovens — perdem muito, enquanto um punhado de empresas, registradas fora do país, ganha tudo. E isso tudo sem regulamentação adequada, sem fiscalização efetiva e sem responsabilidade alguma sobre os danos sociais causados: endividamento, compulsão, depressão.

Combater esse modelo não é ser contra o entretenimento. É ser a favor de um país mais justo. Por isso, precisamos exigir regulação, taxação e controle público. Não podemos permitir que os algoritmos da ganância ditem os rumos da vida de milhões. Enquanto isso, o credo neoliberal seguirá dizendo que o “mercado se autorregula” — e o povo segue perdendo, sozinho, no tabuleiro de um cassino sem regras.

A hora é de reação. Precisamos legislar, fiscalizar, educar e proteger. Não podemos aceitar que o Brasil continue sendo saqueado por dentro, em nome de uma liberdade de escolha que só existe para quem lucra com a ilusão dos outros. Afinal, quando tudo vira aposta, a democracia vira blefe.

 

Pedro Rousseff é vereador em Belo Horizonte. Foi Conselheiro Municipal da Juventude de Belo Horizonte e trabalhou na coordenação da campanha do presidente Lula em Minas Gerais, nas eleições de 2022.