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O gosto da saudade

Foto: Reprodução.

Luiz Gonzaga Fenelon Negrinho

Tem lembrança que chega de mansinho, como cheiro de bolo saindo do forno, misturado ao café coado na hora e ao restinho de conversa boa no quintal. Outras não — entram porta adentro feito vento bravo em tarde quieta, embaralham retratos e desarrumam os cheiros antigos da memória. Essa, de hoje, veio assim: sem convite, sem cerimônia. E ficou.
Lembrei de você, assim do nada. Ou talvez por tudo. Um riso solto que ouvi na rua, uma música antiga no rádio, o tilintar da xícara batendo no pires… e pronto: lá veio você, inteira na lembrança. Com seu jeito moleque de dobrar a vida nos cantos, a voz rindo mais alto que as palavras, e aquele olhar de quem entende até o que a gente não diz.
Você tem sabor, sabia? Um pouco de chocolate quente — daqueles que tomávamos escondido, fingindo dieta, mas lambendo a colher com gosto. Um toque de baunilha também — suave, quase tímido, como você quando fazia birra só para ganhar um carinho a mais. Saudade de gente boa tem isso: tem aroma, tem paladar, tem som de risada guardada em algum canto do peito.
Dizem que saudade é falta. Eu discordo. Saudade é presença — viva, pulsante, teimosa. É gente que continua morando na gente, mesmo depois de ir embora. E você ficou. Nos detalhes, nos silêncios, nas tardes em que sorrio sozinho e alguém pergunta: “Em que você está pensando?” Como dizer que estou degustando uma memória?
Tem gente que não se esquece porque nunca foi embora de verdade. É como aquelas canções que a gente não ouve há anos, mas basta uma nota para cantar de cor. Você é assim. Está guardada em mim como receita de família feita no instinto: uma pitada de ternura, um punhado de riso, dois dedos de doçura e um toque de travessura.
Sim, é culpa boa. Dessas que não pesam, mas adoçam. Culpa de quem viveu bonito, de quem amou sem freios, de quem repartiu a vida como barra de chocolate: partindo aos poucos, mas deixando sempre um pedaço a mais para o outro.
A vida anda apressada, o mundo meio áspero, e a gente vai esquecendo o que realmente importa. Mas tem dias — como hoje — em que tudo para. E o que estava escondido no armário das emoções reaparece com gosto de infância, cheiro de colo e aquela vontade boba de voltar no tempo só para rir mais uma vez junto.
Você me ensinou que “gente boa” é quem chega leve, permanece sem exigir nada e deixa marcas suaves, como perfume bom em camisa lavada. Isso, meu bem, o tempo não apaga. Pode até varrer datas e amassar retratos, mas não desfaz o que foi tecido com o coração.
Hoje, sem data marcada nem efeméride, eu te celebro. Pelo que foi, pelo que ficou, pelo que ainda vive em mim. Celebro com uma taça de vinho, um pedaço de queijo da Canastra e esta crônica com gosto de saudade, cheiro de afeto e o mesmo tom sereno com que você me dizia: “Calma, tudo passa.” E passa mesmo — menos você.

Luiz Gonzaga Fenelon Negrinho é advogado e cronista luizgfnegrinho@gmail.com)

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