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O contador de causos

SILVIA HELENA DOS REIS

O povo mineiro tem a fama de saber contar bem um causo. Contar causo tem que saber, tem que ter o jeito. É como contar piada. Precisa saber, senão o contador passa vergonha.
Os melhores causos sempre são contados em reuniões de amigos, rodas de família, botecos, churrascos e até mesmo em velórios.
Passados de pais para filhos, os causos, que não se sabe ser verdade ou mentira, são de modo geral muito atraentes. Eles despertam os ouvidos e olhares, principalmente pelas características peculiares dos seus contadores, que através de gestos e da entonação de voz, dão um sentido especial aos casos.
Mas foi em Minas Gerais que os causos se criaram e deram asas à imaginação.
Principalmente se contados com trejeitos e palavreados interioranos, entonação e ritmos certos, que contar causos como os mineiros não é fácil. E não precisa ser mineiro letrado, não. Pelo contrário. Seria bom até uma certa inocência das palavras, um jeito de andar e de olhar fora dos trilhos. Uma certa caipirice no vestir também.
Nossa gente traz na memória cenas vividas por elas ou contadas pelos antepassados.
Em Minas Gerais existiu um tal de “Mugango” que era um caboclo bom de causo. Trazia um cigarro pendurado no beiço que lhe dava uma característica muito especial pois, era capaz de contar até vários causos sem tirar o cigarro da boca, sem deixar que ele apagasse ou caísse. Para ele, o Mugango, não importava se era causo de assombração, de gente viva, de bicho estranho ou de assunto religioso. O homem não se assustava. Também não escolhia plateia. Podia ser idoso, família, doutor, padre, feiticeiro ou criança.
Também não precisava de capa mágica, varinha de condão, nem tirar coelho da cartola.
Sabia fazer suspense com os olhos. Tudo se fazia em silêncio. Até os passarinhos ficavam calados, tão grande a espera do desfecho. Quando dizia que o acontecido era verdade ninguém duvidava. Histórias de padres e igrejas eram muito pedidas. Declamava a história da “Flecha de São Sebastião” que sentíamos a presença do próprio santo no meio da roda. O poema do “Baralho na Igreja” deixava a todos de olhos marejados.
Essa oralidade a flor da pele é um dom divino. Afinal o próprio Jesus ensinava através de parábolas.
Mas, existe um outro detalhe que é de extrema importância: saber ouvir. Cêis num faiz ideia. Não se deve interromper um contador de causo.
Os causos podem ser leves, breves histórias com uma moral ao final, como uma prosa entre amigos. Podem ser engraçados mas, os mais aclamados são os misteriosos, repletos de suspenses e terror.
O termo “literatura oral” pode causar estranhamento mas, a literatura e a oralidade fazem parte de um processo de composição estética e subjetiva que se origina nas bases das fabulações literárias que são alvo de estudos acerca da história da literatura.
Grande parte dos conhecimentos transmitidos oralmente eram o principal meio de comunicação entre os homens. As memórias auditivas e visuais eram os únicos recursos de que dispunham as culturas orais para o armazenamento e a transmissão do conhecimento às futuras gerações.
O bom contador acrescenta suas próprias intuições às histórias contadas. Recursos especiais também fazem toda a diferença nesse dom tão especial e único.
Em nosso querido Sulmineiro sempre desenhado e redesenhado em meio a muitos limites, fronteiras, curvas, rios e riachos e maravilhosas montanhas, para ouvir um belo causo, basta um mergulho no universo fantástico que habita o imaginário do nosso povo.

SILVIA HELENA DOS REIS, escritora, contadora de histórias, está presidente da Associação Cultural dos Escritores de Passos e Região, cujos membros se revezam na autoria de textos publicados nesta coluna aos sábados. Ocupa a cadeira de no 08 da Academia Feminina SulMineira de Letras e é membro da Cartoneras Grantykera (a editora cartonera sul-mineira e os vários selos editoriais, cada um com um nome de flor. Silvia é uma Açucena que representa Passos no sulmineiro.

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