Ataíde Vilela
O termo complexo de “vira-lata” foi criado pelo genial escritor e dramaturgo Nelson Rodrigues. Surgiu em 1950 por ocasião da copa do mundo realizada no Brasil, quando nossa seleção de futebol foi derrotada pela uruguaia em pleno Maracanã. Este termo define bem o sentimento de inferioridade que o brasileiro tem em relação ao resto do mundo. Em resumo, o complexo de ‘vira-lata” designa um comportamento autodepreciativo de alguém, que vive enaltecendo os outros em detrimento de si mesmo. Pelé, ainda menino com apenas 10 anos no calor da derrota de 50, havia prometido ao seu pai Dondinho que conquistaria uma copa para o Brasil. Oito anos depois, em 1958, na Suécia, Pelé cumpriu a promessa feita ao pai! Pelé, Garrincha e seus companheiros craques também daquela seleção conquistaram a tão almejada copa do mundo. Assombraram o mundo mostrando a beleza de nosso futebol arte. Pelé, que ainda era um garoto franzino com 17 anos encantou o mundo com seus gols e dribles fantásticos naquela copa e em pouco tempo o Brasil se tornou o maior recordista e ganhador de copas. Pelé conquistou mais duas copas e se tornou conhecido no mundo como rei do futebol.
Mas em outros setores importantes de nossa economia, como é o caso do setor elétrico onde somos detentores de tecnologia de ponta, infelizmente isto ainda não ocorreu. O Brasil mesmo sendo exportador de conhecimento neste setor ainda convive com este sentimento depreciativo. Chegando ao cúmulo de contratar empresa sem qualificação no “ranking” de prestadoras deste serviço, uma das piores do setor e que menos investiu em melhorias na distribuição de energia elétrica na sua área de atuação. Em Goiás, a Enel após provocar sucessivos apagões que prejudicaram os consumidores causando desassistência e danos irreparáveis foi “expulsa” pelo governo estadual, após mobilizar o Ministério Público Federal, o Ministério de Minas e Energia e Aneel. Mesmo assim, após estes danos ela foi declarada vencedora da concessão em SP. A prefeitura de SP, o governo estadual de SP, o Ministério de Minas e Energia e a Aneel nada fizeram à época em oposição a Enel assumir este serviço essencial. A Enel neste curto espaço de tempo já provocou dois grandes apagões de longa duração em SP, o primeiro em 2023 e outro agora em 2024. E segue como concessionária de serviço de energia elétrica, auferindo lucros bilionários e prestando serviços de péssima qualidade.
Os prejuízos irreversíveis em SP bem que poderiam ser evitados pois já tinham informações dos danos que esta empresa havia provocado em Goiás. A Enel já havia falhado de forma acachapante em outro contrato e mesmo assim obteve a autorização para assumir o contrato de SP. Como isto foi possível se a Aneel, o Ministério de Minas e Energia, a prefeitura de SP e o governo estadual de SP já tinham conhecimento destes apagões em Goiás? Por que não baniram a Enel em todo o país? Isto prova que a agencia reguladora se omitiu, não fiscalizou, não puniu de forma exemplar a empresa incompetente por suas falhas. Ao invés disto permitiram que a Enel fosse premiada com mais este contrato bilionário. A prefeitura de SP, o governo estadual, a Aneel e o Ministério de Minas e Energia não se manifestaram de forma contrária a isto.
A lógica por aqui é destruir e entregar tudo para empresas incompetentes obterem lucros, sem cumprir e nem manter a qualidade destes serviços, deixando os consumidores totalmente desprotegidos e entregues à própria sorte. Isto tudo mostra bem que o comportamento de autodepreciar o serviço público de qualidade. Infelizmente ainda está arraigado no DNA de alguns brasileiros que ocupam importantes cargos decisórios. Temos outros setores importantes de nossa economia que prestam serviços de muita qualidade e sendo referências do país. Há muitos anos os serviços de excelência vêm sendo prestados pela CEMIG, ECT-Correios, Banco do Brasil, CEF, Petrobrás, Embrapa, INPE, SAAE’s presentes em todo o país, etc. Estão frequentemente sendo ameaçados pela sanha privatista que assola o Brasil. Em qualquer país do mundo estes seriam preservados. Por aqui a estória é outra. Frequentemente surgem economistas formados em universidades americanas com pensamentos entreguistas pregando a entrega de todo o patrimônio público para empresas incompetentes obterem lucros, sem cumprir os contratos de forma adequada e nem manter a qualidade dos serviços. Fazem carreira no mercado financeiro e como operadores deste setor promovem a entrega do patrimônio público para o capital privado estrangeiro. Penso que não é apenas o complexo de depreciativo que está em jogo, querem também levar algumas vantagens extras como ganhar bilionárias taxas de corretagem para promoção disto. Que os graves fatos ocorridos em Goiás e São Paulo sirvam de alerta para o povo brasileiro. E que os responsáveis por estas decisões não venham mais com a velha e surrada cantilena de justificativas infundadas para entregar setores vitais e estratégicos de nossa economia. Nos dias atuais já não é mais possível reeditar os tempos de nossa colonização quando exploravam nosso país e levavam todo nosso “ouro” para fora.
ATAÍDE VILELA, engenheiro civil, foi prefeito de
Passos nas gestões 2005/2008 e 2013 a 2016.