Opinião

O Brasil tem, sim, jornais censurados, cidadãos perseguidos e exilados políticos

29 de março de 2025

Foto: Reprodução

Marcel Van Hattem  

É triste e revoltante ver o presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta, corroborando com a narrativa dos abusadores da liberdade no Brasil ao dizer que “não há censura, perseguição ou exilados políticos” no país. A fala, proferida em entrevista recente, é uma tentativa de negar o óbvio: o Brasil vive, sim, um momento de retrocesso democrático, com ataques sistemáticos à liberdade de expressão, perseguições judiciais e cidadãos forçados a deixar o país por medo de represálias.

Basta olhar os fatos. Jornais e jornalistas têm sido alvos de decisões judiciais que impõem censura direta. Em 2024, o Supremo Tribunal Federal (STF) ordenou a remoção de conteúdos de veículos como a Gazeta do Povo, o Terça Livre e o portal Brasil Sem Medo, sob a justificativa de combater “fake news” ou “desinformação”. Essas ações, muitas vezes conduzidas sem transparência ou direito pleno de defesa, configuram censura prévia, algo expressamente vedado pela Constituição Federal em seu artigo 5º, inciso IX. Não se trata de regulação ou proteção da ordem pública, mas de silenciamento de vozes dissidentes.

Cidadãos perseguidos? Os exemplos são inúmeros. Parlamentares como Daniel Silveira, preso em 2021 por críticas ao STF, e Roberto Jefferson, detido em 2022 no âmbito do inquérito das “milícias digitais”, mostram como o Judiciário tem extrapolado suas funções para punir opiniões. Fora da esfera política, cidadãos comuns, como os manifestantes do 8 de janeiro de 2023, enfrentam penas desproporcionais — alguns condenados a mais de 17 anos de prisão sem provas concretas de atos violentos, apenas por estarem presentes ou expressarem apoio nas redes sociais. Isso não é justiça; é perseguição travestida de legalidade.

E os exilados políticos? Jornalistas como Allan dos Santos, que deixou o Brasil em 2020 temendo prisão por suas críticas ao establishment, e Paulo Figueiredo, que teve contas bancárias bloqueadas e passaporte cancelado pelo STF, são exemplos claros. Vivem hoje nos Estados Unidos, de onde continuam a denunciar os abusos no Brasil. Não são criminosos fugindo da lei, mas indivíduos que, diante de um sistema judicial que age como braço político, viram no exílio a única forma de preservar sua liberdade e segurança.

Negar essa realidade, como faz Hugo Motta, é alinhar-se a uma narrativa que busca normalizar o anormal. O Brasil não está imune a práticas autoritárias — pelo contrário, elas têm se intensificado sob o manto de inquéritos como o das “fake news” e o das “milícias digitais”, conduzidos por ministros do STF que acumulam os papéis de vítima, investigador e juiz. Esse cenário é agravado pela conivência de parte do Congresso, que, em vez de frear os excessos, prefere o silêncio ou a cumplicidade.

A liberdade de imprensa, a proteção aos direitos individuais e o respeito ao dissenso são pilares de uma democracia saudável. Quando jornais são censurados, cidadãos perseguidos e vozes críticas forçadas ao exílio, não há como sustentar a ilusão de que vivemos em um estado de normalidade democrática. O Brasil precisa urgentemente de um despertar cívico para reverter esse curso. Ignorar o problema, como faz o presidente da Câmara, só prolonga o sofrimento de uma nação que já viu a ditadura de perto e não merece revivê-la, ainda que sob nova roupagem.

MARCEL VAN HATTEM é deputado federal em segundo mandato pelo Novo-RS, bacharel em Relações Internacionais. É mestre em Ciência Política pela Universidade de Leiden; em Jornalismo, Mídia e Globalização pelas Universidades de Aarhus/Dinamarca e de Amsterdã – Holanda.