Ícone do site Folhadamanha

O ator que nocauteou traumas e críticas

Filme ‘Sly’, da Netflix, mostra o astro de infância humilde como um ator ambicioso e autoconsciente./ Foto: Reprodução.

STREAMING

Pergunte a qualquer esnobe do cinema se o filme certo ganhou o Oscar de 1977. Você provavelmente vai ouvir um sermão: 77 foi o ano em que as obras-primas “Todos os Homens do Presidente”, “Network: Rede de Intrigas” e “Taxi Driver” estavam competindo, e qualquer um desses filmes teria sido uma entrada respeitável no cânone oficial do cinema americano.

Em vez disso, numa das maiores surpresas da história do Oscar, “Rocky” levou a estatueta – acontecimento que, entre a estreia de “Tubarão”, dois anos antes, e a de “Star Wars”, já surgindo no horizonte, soaria como o toque de morte para os filmes tensos, sofisticados, politicamente conscientes e orgulhosamente pessimistas que tinham feito dos anos 1970 uma década tão incrível para o cinema.

Essa narrativa – de que Sylvester Stallone ajudou a destruir a última ‘Era de Ouro de Hollywood’ – nunca é diretamente abordada em “Sly”, o novo documentário sobre Stallone na Netflix. Mas é derrubada, mesmo que só obliquamente.

O filme de Thom Zimny desafia várias suposições sobre Stallone, que narra sua vida com lembranças surpreendentemente sinceras e muitas vezes comoventes sobre sua ascensão e algumas quedas. O que emerge não é a superestrela que transformou “Rocky” e “Rambo” em ícones americanos, mas sim um artista atencioso e autoconsciente, muito mais inteligente, sensível e mergulhado na história do cinema do que até mesmos seus maiores fãs poderiam imaginar.

É justo que Zimny seja o cineasta contando a história de Stallone. Nos últimos 25 anos, seu trabalho principal foi colaborar com Bruce Springsteen em mais de duas dúzias de documentários, videoclipes e álbuns visuais – o que significa que Zimny conhece bem os heróis da cultura pop que são simultaneamente adorados e incompreendidos.

Tanto Springsteen quanto Stallone canalizaram seu eu interior através da arte para criar uma terceira identidade – uma identidade que existe em algum lugar entre a verdade e a ficção, que se tornou um avatar potente, especialmente para seus fãs masculinos. “Eles criaram personagens que dão aquela ideia de esperança, com quem o espectador pode se identificar, com quem o ouvinte pode se identificar”, observou Zimny numa conversa recente via Zoom.

Por mais diferentes que sejam suas respectivas personas, acrescentou ele, “ambos estão falando sobre os sonhos da América e sobre identidade”.

No caso de Stallone, como ele explica em Sly, essa identidade se baseia no trauma e na determinação quase sobre-humana. Nascidos em Hell’s Kitchen (“Eu era Nova York”, diz ele com carinho), ele e seu irmão, Frank, viveram principalmente em pensões até que a família se mudou para Maryland; quando o casal se divorciou, a mãe levou Frank para a Filadélfia e Stallone ficou com o pai.

Como “Sly” deixa dolorosamente claro, Stallone – assim como tantos outros obsessivos criativos – foi movido por profundas feridas essenciais, começando com o casamento tempestuoso dos pais, o pai “muito físico” e a mãe que estava em tal estado de negação sobre a gravidez que quase deu à luz dentro de um ônibus.

O rosnado característico de Stallone é resultado de uma paralisia facial causada por complicações durante seu parto em um hospital de caridade. O principal refúgio de Stallone, mesmo quando criança, era o cinema, onde ele podia se deleitar com a mítica presença física de Steve Reeves em Hércules ou encontrar consolo na força e vulnerabilidade de Marlon Brando em Sindicato de Ladrões.

Sair da versão mobile